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Poemas de Vera Lúcia de Oliveira

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Meninas


as meninas que da alma pulam
brincam de esticar
o tempo

com suas saias rodadas
dançam a canção mais pura
que aprenderam
correndo
entre as junturas dos ossos




As gabirobas

em nosso peito, pai, mora o frescor das gabirobas
amontoadas em sacos escuros de onde saíam folhas
de alguma floresta escura que penetravas sozinho
o cheiro enchia a cozinha a mãe corria para
apanhar as vasilhas os cachorros latiam sua sombra
nós espremíamos o sumo nos dentes e a penumbra
pairava nos bagos dos bosques açucarados





Ferrolhos

de uma cidade vim
que mora dentro de mim
nasci madura no dentro
de mãe serenando vento
num branco de madrugada
rasgado de trovoada
e vária, larga de olho
a cutucar os ferrolhos






Vozes

vozes na tarde porosas
penas de pássaros
sopradas enfiam-se
por frinchas escavam
nichos nos vãos
abrigam veias vagas
surdos corpos de som




A cicatriz

muita ferida posso
quer no amor quer no ódio
desatrelo freios
monto muito muro
divisório

reconstruo a cicatriz
como um arco romano
que nem o tempo
corrói




Aprendi o vento

aprendi o vento nas traves doendo
aprendi no escuro das traves
aprendi nas telhas
moendo seu sopro
aprendi como um bicho
aprende o uivo
de outro bicho
como a viga
o estalido
de outra viga




Os pássaros


os pássaros de pedra dilatam as oferendas
os pássaros de carne batem-se contra as grades
os pássaros de lata arrulham nas ferrovias dos nervos
os pássaros de madeira mascam o macio dos músculos
os pássaros de papel voam para dentro das crases
os pássaros de carvão rabiscam suas asas no ventre
os pássaros de fogo puxam os pássaros de chuva
os pássaros de pano acalentam os pássaros de pranto


(Todos os poemas acima são do livro Entre as junturas dos ossos.  Brasília, MEC, 2006)

Ilustração de Talarico

Nota bio-bibliográfica

Vera Lúcia de Oliveira, formada em letras pela UNESP, doutorou-se na Itália e é professora de Literatura Portuguesa e Brasileira na Università degli Studi di Perugia.Poeta, ensaísta, tradutora, organizou antologias de vários poetas, entre os quais Lêdo Ivo, Carlos Nejar e Nuno Júdice. Recebeu, em 2005, o Prêmio de Poesia da Academia Brasileira de Letras com o livro A Chuva nos Ruídos (Escrituras). Em 2006, o seu livro inédito Entre as junturas dos ossos recebeu do Ministério da Educação o "Prêmio Literatura para Todos" e foi publicado pelo MEC em 110 mil exemplares e distribuído nas bibliotecas de todo o país. A autora, que escreve tanto em português como em italiano, recebeu também outros prêmios nacionais e internacionais de poesia e seus poemas foram traduzidos e publicados em várias antologias no Brasil, Itália, Alemanha, Romênia, Espanha, França, Portugal e Estados Unidos.
Entre os livros publicados, estão Poesia, mito e história no Modernismo brasileiro (ensaio), Ed. da Unesp e Edifurb, São Paulo, 2002; A chuva nos ruídos (antologia poética), São Paulo, Escrituras, 2004; No coração da boca(poesia), São Paulo, Escrituras, 2006; A poesia é um estado de transe (poesia), São Paulo, Portal Editora, 2010; La carne quando è sola (poesia), Firenze, Società Editrice Fiorentina, 2011), Vida de boneca (poesia infantil), São Paulo, Editora SM, 2013; O músculo amargo do mundo(poesia), São Paulo, Editora Escrituras, 2014.




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