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5 poemas de Mônica de Aquino

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Ilustração: Kimerajam/deviantART




Hoje, inaugurou-se
um segredo.

Tão pessoal
que incomunicável.

E, por isso mesmo
falso.




*
Na liquidez do instante
o traço exato.

Verniz que cede
ao aço

ácido.

(metal que subjaz   
silente).

Tua rotina mineral
dissolve-se
e ascende:

matéria-prima.

Em cada repetição
a perícia:

corroer-te
com arte
misturar-te a mim:

tua anti-rima
água
corte.

Água-forte.



*
para a plaquete “Cacaso, não por acaso” em homenagem ao poeta


Não por acaso
o verso fácil
de quem já sabe em si a pedra
do caminho a pedra          
docabralino verso
o concreto da síntese

e mistura tudo num pulo do gato
escaldado, o mesmo

que comeu o lirismo
que estava aqui.

Mas nenhum lirismo é um verso
que não é do seu poema –

e rima romântico e perverso.

Não por acaso a alquimia
de corpo e texto
na metafísica dos beijos

na queda de quem sabe a nuvem.               

Nem por acaso remar rio acima
com o verbo ágil         
de quem desce                      
a correnteza

no desejo de (re)conhecer      
todas as formas de delicadeza.          

Por acaso, talvez, a vertigem
da margem

no poema que nos contempla.



*
A violeta azul no esquadro
equilibrava o meio-dia.

A mulher que se encantava
com antúrios e orquídeas
sempre escolhia a flor miúda –
não era boa com coisas vivas.

Assim, quando vinha a morte prevista
jogava fora vaso e terra –
não tinha talento para restos –
ia ao supermercado da esquina
e comprava outra flor qualquer.

A beleza da janela
era provisória
e idêntica ao que conhecia.

Mas a casa nunca foi sua – e não seria
nem saberia sua raiz
na madeira antiga
Era, antes, de metal e de pedra.

Talvez se as janelas se abrissem
para uma outra janela
talvez.



*
O peixe que ontem
sugava transparências
amanheceu morto de excesso.
A morte é leve
e pesa a superfície.

Encheu-se o aquário
de vazios
e rastros esparsos sobre o vidro
confundem memória e silêncio.

O peixe que ontem
mastigava a ausência
destilou-me a espera.
A vida breve
dispensa a superfície.

Encheram-se de vazios
os meus restos –
iscas dispersas entre as águas
confetes que não me alimentam.

O peixe que ontem
distraía o absurdo
enfeitou amor e luto.

A vida é febre
e ferve, e agora

é recriar o aquário oculto
limpar vidro, excesso
líquido.

Limpar o peixe: comê-lo;
e transbordar

o vazio.


Nascida em Belo Horizonte, em 1979, e formada em direito pela UFMG, Mônica de Aquino começou a escrever bem nova. Aos poucos, as chances de mostrar seus poemas foram surgindo. Participou das antologias O achamento de Portugal, organizada por Wilmar Silva, e Panamericana, que teve curadoria do poeta catalão Joan Navarro.  Textos seus foram publicados no Suplemento Literário de Minas Gerais e na revista Piauí. Oito anos depois de ter lançado Sístole, seu primeiro livro, publicado pela editora carioca Bem-te-vi, a escritora venceu do Prêmio Cidade de Belo Horizonte 2013 com o livro Fundo falso, coletânea de poemas.

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