Hoje, inaugurou-se
um segredo.
Tão pessoal
que incomunicável.
E, por isso mesmo
falso.
*
Na liquidez do instante
o traço exato.
Verniz que cede
ao aço
ácido.
(metal que subjaz
silente).
dissolve-se
e ascende:
matéria-prima.
Em cada repetição
a perícia:
corroer-te
com arte
misturar-te a mim:
tua anti-rima
água
corte.
Água-forte.
*
para a plaquete “Cacaso, não por acaso” em homenagem ao poeta
Não por acaso
o verso fácil
de quem já sabe em si a pedra
do caminho a pedra
docabralino verso
o concreto da síntese
e mistura tudo num pulo do gato
escaldado, o mesmo
que comeu o lirismo
que estava aqui.
Mas nenhum lirismo é um verso
que não é do seu poema –
e rima romântico e perverso.
Não por acaso a alquimia
de corpo e texto
na metafísica dos beijos
na queda de quem sabe a nuvem.
Nem por acaso remar rio acima
com o verbo ágil
de quem desce
a correnteza
no desejo de (re)conhecer
todas as formas de delicadeza.
Por acaso, talvez, a vertigem
da margem
no poema que nos contempla.
*
A violeta azul no esquadro
equilibrava o meio-dia.
A mulher que se encantava
com antúrios e orquídeas
sempre escolhia a flor miúda –
não era boa com coisas vivas.
Assim, quando vinha a morte prevista
jogava fora vaso e terra –
não tinha talento para restos –
ia ao supermercado da esquina
e comprava outra flor qualquer.
A beleza da janela
era provisória
e idêntica ao que conhecia.
Mas a casa nunca foi sua – e não seria
na madeira antiga
Era, antes, de metal e de pedra.
Talvez se as janelas se abrissem
para uma outra janela
talvez.
*
O peixe que ontem
sugava transparências
amanheceu morto de excesso.
A morte é leve
e pesa a superfície.
Encheu-se o aquário
de vazios
e rastros esparsos sobre o vidro
confundem memória e silêncio.
O peixe que ontem
mastigava a ausência
destilou-me a espera.
A vida breve
dispensa a superfície.
Encheram-se de vazios
os meus restos –
iscas dispersas entre as águas
confetes que não me alimentam.
O peixe que ontem
distraía o absurdo
enfeitou amor e luto.
A vida é febre
e ferve, e agora
é recriar o aquário oculto
limpar vidro, excesso
líquido.
Limpar o peixe: comê-lo;
e transbordar
Nascida em Belo Horizonte, em 1979, e formada em direito pela UFMG, Mônica de Aquino começou a escrever bem nova. Aos poucos, as chances de mostrar seus poemas foram surgindo. Participou das antologias O achamento de Portugal, organizada por Wilmar Silva, e Panamericana, que teve curadoria do poeta catalão Joan Navarro. Textos seus foram publicados no Suplemento Literário de Minas Gerais e na revista Piauí. Oito anos depois de ter lançado Sístole, seu primeiro livro, publicado pela editora carioca Bem-te-vi, a escritora venceu do Prêmio Cidade de Belo Horizonte 2013 com o livro Fundo falso, coletânea de poemas.