Elevador, o livro de estreia de Gabriel Resende Santos, deixou-me boa impressão logo nas primeiras páginas pela sua organização. Dividido em seis seções, Terraço, Realidade, Fantasia, Play, Térreo e Poço, como no painel do elevador eu posso escolher em qual andar eu gostaria de ir. Entretanto não é um manual de máquina, é poesia vertendo e há realidade e fantasia no caminho que antecede o térreo. Aos que quiserem ir mais adiante, o caminho é vertical e ainda assim, não acaba no poema final.
O traço mais marcante dos poemas do Elevador é seu elemento urbano. Veja bem, não há trocadilho intencional aqui, o traço urbano e contemporâneo de qualquer elemento de arte engloba necessariamente o cotidiano. Assim sendo, nem o autor ou leitor escapam dos pontos altos e baixos do cotidiano civilizado de uma cidade grande. Tudo é maçante, tudo recomeça, tudo é humano e incrivelmente atravessado dessa humanidade que por fim é o elemento essencial da literatura. Os versos de Gabriel Resende em Elevador estão impregnados de tal forma que a cidade vaza por todas as entrelinhas. Numa primeira leitura, é o autor, mas também sou eu, você e qualquer um que esteja em uma fila de cinema, buscando entretenimento, sentido, ou observar de um ângulo melhor o que a vida, sempre passando, coloca diante de todos. Chama a atenção o poema inicial, único da seção Terraço, "Guia completo do homicídio prático": "É preciso matar a memória /.../ É preciso que tudo volte a ser como era: / Uma folha em branco / E nela o Futuro se acomodando / Na sala de espera." Faça reset na repetição, e depois preencha a folha em branco. Dessa forma, passe pra Realidade, que é o segundo pavimento no curso descendente do Elevador.
Os poemas que compõem o pavimento (adotando aqui a metáfora do elevador) designado como Realidade apresentam amor, espera, expectativa, decepção, e uma constante pincelada de algum elemento do cinema. Todos de uma certa crueza, vontade de arrefecer as próprias expectativas, que pode muito bem ser sintetizado no trecho:"...mandam aceitar que o exército não te escuta / os amigos te excluem as ruas te excluem a cidade está mais preocupada / com as obras do condomínio as pedras do texto no máximo são as pedras / da vesícula...", do poema “Para Yukio Mishima”. Ainda nessa seção, os poemas “Há” e “Pétalas” relacionam o elemento urbano com a extrapolação poética nas suas imagens. Se aqui o autor usa a imagem da pétala para referir ao poema, sua metalinguagem é certeira: “a pétala / só precisa de si mesma. quedando / pétala”. Sobressaem também nesse andar o “Poema de amor” e “Gente iluminada”. O primeiro, claro, tema velho, clichê gasto, do modo como diversas coisas na literatura o são, enquanto coloca luz sobre detalhes que se sedimentam na nossa compreensão do amor, também anuncia, isento e cru: “já as cartinhas fantasmagóricas, além de mais / influentes, possuem um incontestável valor histórico.” Já o segundo, reafirma a repetição cotidiana da vida, que acredito ser o fio condutor do livro de Gabriel Resende, tudo igual, todos os dias, mas sempre diferente.
O pavimento da Fantasia prolonga as ligeiras referências cinematográficas de modo talvez a causar prazer a cinéfilos, mas quase me fazendo questionar o título do livro. Entretanto, não dá pra deixar de ler duas vezes o poema “Cinzas”, em que a visão distópica do carnaval carioca, ilustra um lado menos iluminado sem perder o ritmo. Não menos surpreendente o poema [quase em prosa] “Guardo”, que com dedicatória e tudo lança uma incomum “cartinha fantasmagórica” a uma menina melancólica. Não se enganem, paradoxo nenhum. Puro cotidiano, como disse acima tudo igual, mas diferente.
No Play o autor cai no jogo literário e nos oferece um soneto, um haikai, enjambements, prosa poética, fluxo de consciência, e poemas em versos livres e com elementos híbridos. Um pavimento que busca um diálogo com a própria literatura, provavelmente o conjunto de textos que demonstra os tipos de poema que influenciaram o autor. “Oldboy” e “ This must be the place”, se destacam, apesar do título em inglês, pela concisão e força de suas imagens.
Os pavimentos finais Térreo e Poço mantém a coerência da voz lírica de Gabriel Resende Santos, um poeta urbano com fôlego de flanneur e muito influenciado por uma cinematografia contemporânea. Seu Elevador tem um pouco de toda a cidade e de cada experiência rotineira que deixou no poeta uma marca que agora foi convertida em verso ou prosa, igualmente relevantes, balanceados, e reveadores do olhar do autor. A organização de Elevador, apesar de demonstrar um cuidadoso planejamento, e como disse acima, não é manual de máquina, é poesia urbana que urge ser arriscada na página e a nós, leitores, acessar todos os pavimentos e descer ao poço. Lá, saberemos que “Ainda não acabou” [título do poema final]: “não acabou mesmo, a palavra / que palavreada exclama: uma interrogação /corta o verso antes de outro ponto final, a rima /vindo não rima a rima evapora, calmamente?” Cotidiano e urbano e literatura, tudo se repete, sempre o mesmo, mas sempre diferente.
LEIA POEMAS DO LIVRO
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Autor do livro Elevador (Patuá, 2014), Gabriel Resende Santos é mallarmago e nasceu no Rio de Janeiro em maio de 1994. Acredita em Rimbaud e Whitman, mesmo sem assumir religião. Já apareceu em antologias e revistas, mas ninguém o reconhece na rua por isso. Escreve no blog Occam, big bangs & outras explosões. Traduz de vez em quando.

Roberto Dutra Jr. é um neurótico social como todo brasileiro de cidade grande. Adora literatura, mas as palavras não fazem mais sentido. Mestre em Letras, tem um livro publicado e diversos artigos de caráter acadêmico e crítico publicados. Foi editor de revista acadêmica, contribuiu para jornais e revistas literárias no Rio de Janeiro e tem um seríssimo flerte com a música. Adora gatos e poemas, que movem-se na penumbra e nunca revelam-se inteiramente. Leia mais textos do autor aqui.