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Ilustração: Gilad Benari |
Eu, que ando vivendo pequenas revoluções
Tatuando tessituras
Despetalando paisagens
Para comer a imensidão
Dos ares
Eu, que tenho costurado poesia na pele
Que tenho almoçado gritos no apartamento
Amanhecido vasto
Como um furacão
Essa indigestão...
Eu, que ando diluindo morros
Vestindo tempestades
Evaporando estradas
Para navegar
Mais nada
Hoje, acordei atlântico
Para desaguar no mundo
O que não cabe em mim
Meio Bossa-nova
É o vento que derruba os muros
A poesia que se faz mais calma
Dentro
Nem sempre é possível ser caos
Nem sempre solidão
Acompanhada
É a chuva que escorrega
Os nossos sonhos fatigados
De vontades pregadas nos pelos
Os dias carregados nas linhas indecisas das mãos
Nem sempre é possível ser montanha isolada
Nem sempre atlântico
Um salto voraz aos teus dramas
Selvagens
Quietos, dentro do apartamento.
Da cidade gaveta
Nem sempre manso ou feroz
Mas brando no peito
Dourado, como paisagem da terra santa.
Nem sempre é possível calar a poesia
Que nasce na região côncava
Dos desejos libidinosos
Nem sempre esse grito estilhaçado no asfalto
Nem sempre esse silêncio virado no álcool
Atiro para o alto
uma inconstância vadia, como a brisa
Na beira dos nossos sonhos
Depois de Hiroshima
Fecho os olhos
Para varrer
As ausências
Colhidas
Nos silêncios
Atlânticos
Dos Budas
Que ditam
A paz
Que não temos
Delírios atômicos
Espatifados
Nos partos
Sem mães
Vou limpando
A retina
Sem a vaselina
Dos domingos
À tarde
Da violência
Sem gozo
Quero o grito
Do que não
Tem chão
Na curva
Do abandono
Vou fazer um
Arranjo
Para enfeitar
Com decepção
Esse verão
Que nunca
Chega
Davi Kinski (SP, 88) é ator, produtor e cineasta. Participou do filme “Nome Próprio”, de Murilo Salles, que lhe rendeu a indicação de melhor ator no Festival de Gramado (2008). Em 2011 encenou seu primeiro monólogo, "Lixo e Purpurina", baseado em textos de Caio Fernando Abreu, cumprindo uma temporada de grande êxito no Sesc Pompéia. Escreve poesia desde os 15 anos de idade. Lançou, em 2014, o seu primeiro livro de poemas, "Corpo Partido", pela editora Patuá. Os poemas acima fazem parte de "Delírios Atlânticos" ainda inédito.