Compondo o sitio arqueológico
A vastidão
é uma pedra
redonda e fria.
Grande esfera
onde deslizam
e desabam as criaturas.
O horizonte ‒ gelo
intransponível.
Daí esse tatear – essa procura.
A obscura arqueologia de esconder-se.
é uma pedra
redonda e fria.
Grande esfera
onde deslizam
e desabam as criaturas.
O horizonte ‒ gelo
intransponível.
Daí esse tatear – essa procura.
A obscura arqueologia de esconder-se.
E, no silêncio,
no cu
desse branco profundo,
aguarda,
e se expande,
e fulgura,
o jardim das epifanias.
no cu
desse branco profundo,
aguarda,
e se expande,
e fulgura,
o jardim das epifanias.
Primeiro movimento
Afora a vastidão branca,
nada mais resta
a ser perseguido.
O fogo — extinto.
Saber-se
de partida.
Seguir o caminho do vau congelado.
Segurar-se cego
nas alvas tranças
que pendem
no absurdo.
nada mais resta
a ser perseguido.
O fogo — extinto.
Saber-se
de partida.
Seguir o caminho do vau congelado.
Segurar-se cego
nas alvas tranças
que pendem
no absurdo.
Da construção de cidades e sentenças
Gélidos desfiladeiros
ladeando avenidas...
Estruturas metálicas
ladeando avenidas...
Estruturas metálicas
— andaimes —
espinha dorsal
espinha dorsal
de enormes geleiras
que sentenciam à morte
os que ignoram a cronologia
do desespero.
que sentenciam à morte
os que ignoram a cronologia
do desespero.
Insignificância
Em que pese aos malefícios para o corpo,
devemos arrastar a consciência de nossa insignificância
Jorge Elias Neto
O azul se dissipa
em tons de desespero.
Os segundos corrompem
nossos sonhos,
e a eternidade
consome toda inocência.
O céu conspira
dentro de mim,
ponto
sujo no útero
da neve.
A ordem natural
Vida,
esse distúrbio das moléculas
que se agrupam
e se toleram;
que despertam assombradas
e se espantam no turbilhão do útero;
que choram pela primeira vez,
e se expandem à busca
de esperanças;
que se esquecem da inexistência
de possibilidades
e se acasalam;
que se transformam em autômatos
e digladiam com seus iguais,
e se espantam,
pela derradeira vez;
que cambaleiam e tombam,
e que não ouvem mais
o desespero das carpideiras,
quando, já inconscientes
e verdadeiras,
retornam
ao estado natural de fonte
energética do Universo.
Discurso para o cadáver
Teus olhos
não mentem
essa simplicidade
em dizer:
tão breve, a vida,
enquanto saturamos
o ar
com subterfúgios
e preces.
Do ponto
em que se parte
― se esquece ―
o espectro
da carne
― do irremediável.
Da carne
à cinza,
do torrão de
terra
ao desprezível
mármore
― questão alheia ―
(prevalecerá a vontade
do Universo).
Que os vivos
tratem da espessura
das trevas.
A você, o privilégio
da dimensão
onde se plantam flores.
Agradeço
a sinceridade
azul
em teus dedos,
ao lançares os dados
que julgarão
os versos
impossíveis.
E o que disse
da memória ...
A memória sem lar,
desnecessária,
posta a ausência
cúmplice.
Se pudesse
te acenderia um cigarro...
Deixaria a guimba
pendurada
em teus lábios.
(Como é bela e
inútil
a última centelha...)
Logo
chegarão.
(A boca aberta da cidade
despeja
suas crias.)
Vestirei a máscara
e restarei
um momento ― breve ―
(o tempo de observar a indecisão
das chamas perante o choro
humano).
Máscara mortuária
Guardei meu último gesto.
Será um movimento
exato da mão
a cortar pelo talo
a palavra
definitiva.
Dirão as carpideiras:
Reparem
no riso e todos
esses dentes;
a frouxidão da boca
cansada de gargalhadas
e asneiras.
O cúmplice
me encontrará sem palavras
e gelado
como a verdade.
Inércia
O que há de injusto na estupidez?
O gelo conservou os corpos.
Os gestos
— consumidos pelo desespero —
permaneceram.
(Sentia-se a sanha
do exercício diário
de embrutecer.)
O Ídolo
restava de pé.
Onisciente —
aguardava o resgate.
Um resto de sol no desalento
Ocupo-me de uma febre
sem propósito.
Modos existem
de forjar os dias,
principiar universos,
rir do descomunal
segredo da vida ...
Mas não nessa noite gelada
em que persisto centelha.
sem propósito.
Modos existem
de forjar os dias,
principiar universos,
rir do descomunal
segredo da vida ...
Mas não nessa noite gelada
em que persisto centelha.
Eis a última pele ― a palavra ―
que se desgarra inapta
a prosseguir
afirmando
o esplendor da verdade.
que se desgarra inapta
a prosseguir
afirmando
o esplendor da verdade.
Fração do indizível
O branco desse gelo
é todo poema ―
verdade possível.
Entre o amor,
e outras alucinações,
o inefável me acena
caridoso.
(A grande face
e sua biografia
de renúncias
e equívocos.)
Minha distância
não é exercício de retórica,
apontamento
de um ególatra,
tons pastel despejados
na boca de lobo.
Não há indiferença
quando parto
e retribuo
o aceno.
Os raios oblíquos da manhã
Poesia
não é encosto,
não é escora.
Na primeira manhã
foi um entregar-se à dádiva
da escolha.
Passam os dias,
e as encostas
escorrem sob o peso
do que se repete.
A simetria do caos
Há simetrias
nas reentrâncias do caos.
Jorge Elias Neto
Desandada
tristeza
dizer: ― sim ―
me desespero.
Descobrir o que
― enfim ―
conta:
a boca larga
da sombra
onde
cada um é igual
à quinta
parte
do que lhe resta
como consolo.
Foto: Alexandre Deschaumes
* * *
* * *
Jorge Elias Neto (1964) é médico, pesquisador, cronista e poeta. Capixaba, reside em Vitória – ES. Livros: Verdes Versos (Flor&cultura ed. - 2007), Rascunhos do absurdo (Flor&cultura ed. - 2010), Os ossos da baleia (Prêmio SECULT - ES – 2013). Participação: Antologia poética Virtualismo (2005), Antologia literária cidade (L&A Editora – 2010), Antologia Cidade de Vitória (Academia Espírito-santense de letras – 2010,2011,2012,2013) e Antologia Encontro Pontual (Editora Scortecci – 2010). Colabora com poemas em vários blogs e na revista eletrônica Germina, Diversos-afinsm Mallarmargens e no Portal Literário Cronópios. Membro da Academia Espírito-santense de Letras onde ocupa a cadeira de número 2. Blog. Email.
LEIA TEXTOS DO AUTOR