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13 poemas de Carla Diacov

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vi a maçã caída na barra do vestido da menina
a coisa ao meio
era amor e era terror
e era sarcasmo infantil
o domador e o leão
abobalhados
a menina ao meio
chorosa
ao meio
sorria
não poderia ser e era
como da primeira vez
da primeira divisão
da primeira noção de espaçamento
e era
era de ver
as sementes todas estavam e estarão

era de ver
e era do amor





uma metade disfarçada da outra
a cicatriz tomando horas
a meia-vida de uma ordem toda
os meios
os meios e a chaleira gritando as honras

há uns dois ou três torrões eu não choro





insistem essas boas lições a se tirar de tudo quanto é 
jarro 
chegar ao fundo da coisa 
esvaziar-se 
conter 
tolerar 
senão 
a última gota 
derramar e derramar-se 
enfeitar, fazer as funções de vaso 
e 
enfeitar 
fazendo as funções de vaso perdidamente restaurado







o ajuizamento do sal entre os dedos dos teus pés
e cascas de moluscos desistidos
os ombros e os braços de uma baleia morta
inédita descabida
assoviada inédita renascida mentira
como uma mentira inédita
delicadamente colocada a ser um chapéu bonito
um polvo na cabeça da menina
EU DESEJO SER HOJE
TUDO QUE FIQUEI DEVENDO ÀS MINHAS UNHAS
mentira
mentira





manter sobre a cama
um bocado de alpiste
também um tanto no chão
e desenhar a propósito do mundo que tanto se fode
carecer de orelhas
até cansar os lóbulos
evitar as janelas nos dias santos
procurar por penas atrás dos móveis
manter sobre a cama
a radiação da cidade





um mamute retorna de seu trabalho
mapear um intervalo de poeiras
dirá
das dificuldades em manter uma linha aqui e outra ali
deitará sua massa no mato com baunilhas
sentirá esse sono que todo homem sente: um mamute retorna de sua era.





tira dos cabelos a folha seca que 
se manifestaria
delicadamente
és um cavalo selvagem dentro dum vestido arrendado





teria a apagado dos olhos
coubesse a casa vermelha 
sem os meus azuis
era diabólico
o vaso deixando transbordar a planta
a varanda da casa vermelha
uma só telha 
desafinada de tudo o que era a casa 
teria pagado com os olhos
seria a casa vermelha
sem meus azuis
faríamos anos
faríamos nós
seríamos bois





de ocupares vazios
que os pés e línguas das gentes desamparam
porque aí
e pôr sem cessar
te vestes e avista ao que te vestes
como o escultor que obreia o barro ou a pedra sob o oleado
choras
choras todas as tuas misérias e aflitas fortunas
o que faz de ti
adorável chorona que lacrimeja verdes biografias onde não haveria ao que. onde nunca.

e as gentes ainda a comungar o pão.







O próprio sortilégio já pousa o farfalhar da coisa: 
Digo que digo aos estímulos mais eróticos que isso é uma asa capada do corvo, mas esse tom de animal algum, esse de fêmea acidental, tons, escapam-me à pena máxima: 
Vê? Digo: 
Vê. E digo: 
Negro Pouso de quem vê.





após o aluvião da cor machodominante
marmorizou o plano
mais tolher que impregnar 
mais tolher que impregnar que
e em não caber dos tantos ao quê tolher da pele os óleos
tolher da pele os óleos tolher
ajeitou a franja
desencaixou da mudez 
os olhos
pousou-os 
flácida
ao colo do pano
cobriu um, sufocou o outro
vedando assim, os próprios reprochados ângulos e desenganos.





fecha-se a porta o comportamento da porta
quem vê não olha deste lado bufa e vê
baça é a maneira de ralhar com
as fibras da porta
uma mulher uma leoa uma gestante
a gestora das sombras das piadas amanhecidas
daqui até ali parando e bufando até aqui rindo
na rua bufam passantes e o vendedor de espelhos
ela bufa
uns gestos conseguem atravessar a barreira
bufa
barreira bufando até aqui e chora
atravessam e aqui estão
uns bibelôs baratos
uma barata de vidro um camponês depravado
uma lâmpada com uma barquinho dentro 
bufa um novo continente orquídeas carnívoras
e agora sim
fecha-se 
janelas 
o comportamento delas
chove muito e a mulher sente o vendedor de espelhos
tão colado à porta quanto ela
bufam corações do mesmo hálito gregoriano
um dos espelhos sugere uma consternação mais capacitada
e um cachorro deitado abaixo do primeiro 
degrau de azulejos escorregadios





quando palha
palha de aço
e ser o homem esfregando uma minha ideia
vestida de homem
com um lápis mole entre as pernas:
tenho o dom da palavra quando cheiro os teus dedos
tenho o dom da palavra quando cheiro os teus dedos
tenho o dom da casaca


Ilustrações: Renée Hoekzema 




soucarladiacov. de qualquer forma. não me importa tanto ser. e também vou e volto e babo durante. nasci em São Bernardo do Campo (09/04/1975) e moro em Itanhaém e brinquei na praça-dos-meninos em S.B.C.. morei em Londrina e ela em mim. fiz teatro e me desfiz. então escrevo e sei que vou, mas volto. de qualquer forma. e gosto tanto de pão de fôrma com amendocrem. de qualquer forma, que é como eu sou, mas volto. babando. agora dei de bulir com as plásticas também. e elas comigo. sei que vou. sei que volto. sei de mim, parada, medindo os dedos, os meus e os dos outros.
(neste endereço, todos os links para as gavetas da cômoda:  http://nichosdamortaquasemenoria.blogspot.com.br/ )

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