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6 POEMAS DE ALBERTO LINS CALDAS

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baleias

1

● o barco tava gelado ●
● mas o conhaque bem quente ●
● enquanto baleias batiam na madeira ●

● ou seriam salmões negros ●
● algum peixe espada ou mesmo ●
● peixes voadores caindo no conves ●

2

● hoje foi um dia imenso ●
● monstro violento quase sem fim ●
● dia cheio de furia e sangue ●

● carnes fatiadas de baleia ●
● mortas no começo da tarde ●
● amargos os cheiros da gordura ●

3

● ha muito tempo não tomo cafe ●
● daqueles com açucar e mel ●
● com fatias torradas de pão ●

● depois gotas quentes de leite ●
● ovos fritos com tomates ●
● postos em folhas de salsa ●

4

● o mar não cessa o mar cobra ●
● toda loucura toda doença e mais ●
● o mar não perdoa carnificinas ●

● mas o mar não sabe se vingar ●
● essas ondas essas tempestades ●
● são so ressentimento e ritmo ●

5

● na madeira encharcada ●
● se morre de frio se acorda no frio ●
● dormir com frio ate adoecer ●

● se não fosse os olhos os olhares ●
● das baleias q morrem os gritos ●
● essa coisa toda seria suportavel ●

6

● como sempre me arrependo ●
● mas isso não muda nada de nada ●
● porq não ha sol nem lua nem razão ●

● quando essa demencia terminar ●
● recolho roupas arpões e ossos ●
● sumo enterro tudo e vou viver ●

7

● criar cavalos criar bodes e ratos ●
● alimentar cães gatos e pombos ●
● dinheiro com galinhas e ovos ●

● limpar pocilga estabulo cozinha ●
● cheirar cebolas na salmoura ●
● viver sem o mar e as baleias ●

8

● quem sabe depois de bem velho ●
● eu deseje novamente o mar ●
● as baleias a morte das baleias ●

● o conhaque o rum o quarto frio ●
● porq so assim a grande vontade ●
● cafe sempre com açucar e mel ●

9

● ?quem não é escravo nem servo ●
● das forças q nos fizeram pra negar ●
● o silencio as ordens dessa criação ●

● preceitos doenças e raivas ●
● os filhos vivos os filhos mortos ●
● ?quem dentre nos se rebelara ●






nabucodonosor


● nem mesmo a janela ●
● diante da velha torre ●
● disse nabucodonosor ●

● nu de quatro pastando ●
● remoendo com molares ●
● dois caninos dois incisivos ●

● depois duas amendoas ●
● todas duas cruas demais ●
● disse nabucodonosor ●

● espantado entre gramas ●
● entre esses tuberculos ●
● q tão bem sabemos ●

● não violinos não pianos ●
● mas dois violoncelos ●
● disse nabucodonosor ●

● agora em pe duro e belo ●
● como um fauno fauno ●
● desses das crateras ●

● ele nabucodonosor ●
● olhou ao redor mirando ●
● horizontes e rios ●

● nabucodonosor sabe ●
● de q lado em q margem ●
● qual rio qual terra a terra ●

● ele sabe bem demais ●
● por isso urra baba e berra ●
● como nabucodonosor ●

● quando não se esperava ●
● disse como se balisse ●
● como se crocitasse ●

● elefantes nascem pulgas ●
● se não fossem as hienas ●
● não haveria tanta carne ●

● alimentam os elefantes ●
● aninham os elefantes ●
● engordam os elefantes ●

● depois elas devoram ●
● um por um os elefantes ●
● disse nabucodonosor ●

● depois caiu por terra ●
● como um porco um porco ●
● um porco da terra ●

● sem dizer mais nada ●
● nem naquele dia e noite ●
● nem depois ate agora ●




sr pollock

1

● razão nenhuma pra desconfiar do sr pollock ●
● da sua familia nem dos cães e dos gatos ●
● q não largam jamais o sr pollock ●

● no entanto desde o começo ●
● quando cheguei por direito pra tomar posse ●
● das vastas terras q foram do meu pai ●

● encontrei o sr pollock sua familia os cães ●
● os gatos e a casa grande do sr pollock ●
● no centro de tudo como um carrossel ●

● de todas as terras q foram do meu pai ●
● mas q desde então o sr pollock a familia ●
● do sr pollock com os cães e os gatos ●

● cuidou administrou e fez crescer ●
● como se as terras q foram do meu pai ●
● fossem na verdade e minuto a minuto ●

● do sr pollock da sua familia e de todos ●
● os seus cães e gatos e do gado gordo ●
● q se tornou necessario e inumeravel ●

● tudo do sr pollock da sua familia ●
● dos seus cães e gatos como se a terra ●
● tivesse sido deles desde a origem ●

2

● é precisamente porisso q desde então ●
● tenho dormido sob a velha escada ●
● eu os cães e os gatos do sr pollock ●

● o q nos tem alegrado são os ossos ●
● os restos de carne de pães e bolos ●
● q o sr pollock e a familia nos jogam ●

● com alegria com bondade satisfação ●
● nos trazendo a todos grandes momentos ●
● de festa de risos e jogos de corpo ●

● alem do mais quando o sr pollock sai ●
● com sua familia o mundo é nosso ●
● cada recanto cada quarto e sala ●

● quando me dou conta me separo ●
● do grande grupo dos companheiros ●
● me pego caido pelos fogos da morte ●

● q dançam assim sempre dentro da noite ●
● como se fossem antigos fantasmas ●
● dançando como faziam bem antes ●

● o tempo passa e quando o sr pollock ●
● chega com sua imensa e querida familia ●
● tamos todos exaustos e dormindo ●




partilha


● so sei meu senhor ●
● q nessa estrada desde ontem ●
● so faço gargalhar ●

● porq me apareceu um burro ●
● burro gordo falante e fosco ●
● como noite q se abre pra lua ●

● ele disse aqui somos quatro ●
● eu o rato o porco e o camelo ●
● com esse leão morto pra dividir ●

● vc tem a faca e as mãos ●
● reparta logo pra nos esse leão ●
● pra cada um sua devida parte ●

● so sei meu senhor ●
● q cortei a cabeça do leão ●
● pro camelo dizendo agora é tua ●

● cortei pro rato as pernas ●
● pro porco o coração o figado ●
● pro burro as carnes a coluna ●

● todos se puseram a devorar ●
● cada um seu bom bocado ●
● como tem sido desde então ●

● porisso comecei a gargalhar ●
● so porisso meu senhor ●
● so porisso ate morrer ●




hašek


● hašek sabe q os corvos invadiram as ruas ●
● invadiram as casas a agua a fome o desejo ●
● invadiram as pontes e todas as ambulancias ●

● porq não ha mais hospital escola ou quartel ●
● sem corvos sem esse crocitar doloroso e cruel ●
● sempre em ondas desde os corpos ate aqui ●

● hašek sabe bem tudo isso porisso hašek olha ●
● as ruas da janela como se olha um matadouro ●
● hašek espera a tempestade o granizo a chuva ●

● não ta triste nem alegre com isso dos corvos ●
● ele agora mesmo digere os pequeninos pães ●
● com ovos assados com manteiga e alho negro ●

● hašek sabe q precisa sair e q os corvos sabem ●
● q ele precisa sair sabem q ele espera o granizo ●
● a chuva a tempestade e q ele olha sem saber ●

● isso depois da guerra pensa bem triste rindo ●
● como se fosse uma daquelas danças das putas ●
● entre o piano a dança e as garrafas vazias ●

● hašek na janela não desconfia q não ira chover ●
● q não havera granizo nem vira tempestade ●
● q nos fizesse sair pelas ruas contra os corvos ●

● quando ele entende isso ficamos bem tristes ●
● porq a chuva o granizo qualquer tempestade ●
● seria melhor q a ridicula invasão dos corvos ●

● hašek não chega a chorar como seria esperado ●
● mas hašek deixara de sonhar com as ruas e o rio ●
● enquanto os corvos tambem invadirão hašek ●

● porisso faço um cafe bem forte com conhaque ●
● trago fatias de bolo com cobertura de groselha ●
● toco o violoncelo e hašek compreende tudo ●




antigona


● bem q teus pes podiam deixar de sangrar ●
● deixar de supurar e arder e estalar ●
● eles bem q podiam nos deixar em paz ●

● os olhos não q são parte de tudo ●
● as agulhas eram da nossa mãe ●
● não a tua loucura e violencia ●

● teus pes inchados teu passo de aleijado ●
● tebas pesa demais sobre essas pernas ●
● porisso teu passo é assim quase imovel ●

● mesmo assim podias te curvar ●
● como fazem desenganados com as moscas ●
● pelo menos o riso enganaria nossa dor ●

● depois ha sempre essas estradas ●
● esses ladrões esses passaros esse calor ●
● essas cidades q se afastam com medo ●

● do pai não resta nenhum traço ●
● agora é so o irmão q se despedaça ●
● nesse oficio de ser presa facil dos deuses ●

● porisso as crianças jogam merda ●
● jovens catam pedras pra nossas cabeças ●
● velhos mulheres e homens se escondem ●

● pelo menos os cães os gatos e as pulgas ●
● sabem q não podemos mais nada ●
● latem se esfregam picam e vão embora ●

● por fim o trabalho dos dias essas horas ●
● q rasgam as palavras ate o osso ●
● deixando so a doença dos restos ●

● o futuro pai não existe e o passado ●
● é essa porra q agarra sempre agora ●
● estrangula fere e marca sempre agora ●

● é melhor sentarmos um pouco ●
● engolirmos a saliva e a vergonha ●
● com certeza isso continua sem nos ●




*   *   *




Alberto Lins Caldas é pemambucano de Gravatá, onde nasceu em 1957. Publicou Canto Fundamental e Cacimbas. Colabora em jornais do Recife (Diário de Pernambuco, Jornal do Commercio e Diário da Manhã) com artigos de critica literária e poesia. Fundador do grupo informal Poetas da Rua do Imperador. Cursou Historia e Arqueologia na UFPE. Ensaísta proustiano e poeta. Autor dos contos de Babel (Revan, 2001), do romance Senhor Krauze (Revan, 2009) e dos livros de poemas Minos (Ibis Libris, 2011) e De corpo presente (Ibis Libris, 2013). É mallarmago desde 2012.

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