Gregory Colbert
Mais um capítulo da Promiscuidade Literária foi escrito. Dessa vez, com Célia Musilli. Foram sete poemas, numa proposta de continuidade entre eles. Vamos ver o que vocês acham:
SETE CANTOS SELVAGENS
PRIMEIRO CANTO
é do centro que nasce a nudez
e nos perfura a pele
o poro
a espinha do peixe
floresce
onde está enterrado o poema
é do centro do sorriso envolto em nuvem
numa enorme vírgula
que nascem o beijo e as amoras
árvore genealógica
animal e vegetal das águas
da superfície mais delicada
repleta de pavor
um cocar vem ao encontro do crânio
sua índia
seu tambor
e oboé
sinfonia selvagem
de pelos roçados no escuro
SEGUNDO CANTO
uma cama de algas
trança no oceano meu sonho futuro
conchas que cabem nas mãos
guardam sete segredos líquidos
ritmos marinhos
ou de maremotos
o nome das serpentes?
sí-la-bas
na floresta à esquerda do mar
a chuva lambe palavras
que o núcleo desnuda
TERCEIRO CANTO
o triângulo cobre parte do centro
charme da penugem
para quem soube do desejo das flechas
um sussurro no ar
e toca-se o tambor
amor, uma elegia de asas
paixão, uma gota na selva
duvidei das anêmonas
por causa de tua ausência
e toca-se o tambor
a violência da primeira vez
aponta o centro
de novo
QUARTO CANTO
na estação solstício
um batuque no ouvido planetário
rasga a rima
na embocadura
da mata urbana
no horizonte
a bola em chamas
quer nos espiar
mas queima
a palavra nos vira as costas
dois espíritos da floresta
despem folhas
o feiticeiro
gira a roda do poema
e canta
am rama am
am ram
ama
QUINTO CANTO
o velho balbucia entre as ervas
recolhe o oceano
perde o endereço
reencontra os plânctons
minerais e vegetais
eclodem da Terra
trespassam mãos
como o éter
magia
tudo nasce do centro
do côncavo ao convexo
fumaça
planeta indócil
de ancestrais e mamutes
amantes do vento
o sopro do barro
em mim
em você
nascentes múltiplas
SEXTO CANTO
feita a nossa viagem
com uma carta celeste
voltamos para casa
onde há rios
há peixes
o enorme dentro do menor
visões da íris
transcendência radical
sopros e imagens
a deslizar água afora
milagre
na ponta dos dedos
desenho de mundos
pedras
vocábulos
rotas ao redor da Lua
era tudo tão perto
de não se ver
velas de barco apontam
céus incendiados
tudo tão bárbaro
como a mecha
ao balançar de repente
e deixar entrevista
uma onda de cílios
SÉTIMO CANTO
no fim
recolhidos de olhar
celebramos
diante da fogueira
o futuro
centro de toda viagem
antes
toca-se o oboé
o tambor nos atravessa
para chegar
à nudez
se cresce e esvanece nosso espírito
somos águia e lince
provamos
da escuridão do mar
na chama irregular da madeira
a folha se espalha
sabemos
o ritual teve começo
um, mago
outro, sacerdotisa
num círculo de incendiar céus
eis o nome de tudo
EVOÉ
essa palavra queima
essa palavra queima
essa palavra
o espírito
levita
(Célia Musilli & Paulo Ortiz)