Ilustração: Kai Ziehl
hoje são estas mulheres sozinhas
olhando o prato vazio.
o sol incendeia
migalhas de pão
sobre a mesa.
híbridas, acusa o hipocampo
reproduzido em azulejos da cozinha,
conector de neurônios.
outras manhãs feriram
a ordem da natureza ctônica.
o idílio foi retirado de páginas de um livro,
de um fotograma de filme,
de um bolso em que se esqueceu a chave de casa
e um pedaço de papel com um número rabiscado.
esta manhã,
palpável como a asa da xícara de café,
é sorvida a cada gole.
amarga.
sair pela porta
e abandonar o desgosto.
novas possibilidades aceleram
e invadem a janela imóvel
da manhã sem ar.
olhando o prato vazio.
o sol incendeia
migalhas de pão
sobre a mesa.
híbridas, acusa o hipocampo
reproduzido em azulejos da cozinha,
conector de neurônios.
outras manhãs feriram
a ordem da natureza ctônica.
o idílio foi retirado de páginas de um livro,
de um fotograma de filme,
de um bolso em que se esqueceu a chave de casa
e um pedaço de papel com um número rabiscado.
esta manhã,
palpável como a asa da xícara de café,
é sorvida a cada gole.
amarga.
sair pela porta
e abandonar o desgosto.
novas possibilidades aceleram
e invadem a janela imóvel
da manhã sem ar.
úrsula na praia
arrastando a saia pela praia
com seus cachorros passeia
úrsula a megera
chapinhando em ondas pérola
pequena estrela ausente
na noite de fogos
úrsula demente
desfilando entre banhistas
a dócil felicidade
de quem se habituou
a dançar sobre conchas
que arrebentam seus pés
com seus cachorros passeia
úrsula a megera
chapinhando em ondas pérola
pequena estrela ausente
na noite de fogos
úrsula demente
desfilando entre banhistas
a dócil felicidade
de quem se habituou
a dançar sobre conchas
que arrebentam seus pés
constatação
as mulheres óbvias
falam de filhos
falam de homens
as mulheres óbvias
falam de dramas
falam de lares
as mulheres óbvias
têm medo do desespero
de domingos sem família
de ruas solitárias à noite
de romances em que não se vejam como heroínas
as mulheres óbvias
fritam bolinhos
tantas passeiam a esmo contra as mulheres óbvias
mas óbvias e extraordinárias
nasceram da mesma costela
falam de filhos
falam de homens
as mulheres óbvias
falam de dramas
falam de lares
as mulheres óbvias
têm medo do desespero
de domingos sem família
de ruas solitárias à noite
de romances em que não se vejam como heroínas
as mulheres óbvias
fritam bolinhos
tantas passeiam a esmo contra as mulheres óbvias
mas óbvias e extraordinárias
nasceram da mesma costela
a louca
e não a entendemos,
essa que busca
sóis fora de si.
não a entendemos
como se entende
um figo
ou uma pedra.
interroga a vida mineral,
e os cachorros,
dialogando
com musgos
e um arco-íris
invisível.
nem um mimetismo
a salva.
apenas uma dança
de gestos patéticos
que insiste em retirar nuvens
de garrafas verdes
essa que busca
sóis fora de si.
não a entendemos
como se entende
um figo
ou uma pedra.
interroga a vida mineral,
e os cachorros,
dialogando
com musgos
e um arco-íris
invisível.
nem um mimetismo
a salva.
apenas uma dança
de gestos patéticos
que insiste em retirar nuvens
de garrafas verdes
boi-de-mamão
"relaxa, que encaixa"
ai, boi! hei, boy!
enrola o pau-de-fita
à brisa que beija e balança
o caboclo dança trôpego
e o boizinho no meio dasfrô
explode e bufa.
giram a roda da alegria
movidos pelo sol
atrás de placas de Proibido
paisagem marinha
é meu tempo
e estou só
no embarque
canoas na praia.
chapinhando na água
pés com unhas pintadas hesitam:
lançar-se ao mar?
você quem vai,
marinheiro de primeiras viagens
batizar peixes
conversar com ondas.
um dia faltará luz,
ora
a escuridão camufla
besouros ricocheteiam
no soalho do barco.
e estou só
no embarque
canoas na praia.
chapinhando na água
pés com unhas pintadas hesitam:
lançar-se ao mar?
você quem vai,
marinheiro de primeiras viagens
batizar peixes
conversar com ondas.
um dia faltará luz,
ora
a escuridão camufla
besouros ricocheteiam
no soalho do barco.
Marilia Kubota, "Diário da Vertigem", 2014