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Hermes Fontes e o Símbolo Silenciado

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Saudade é eternidade:
- Eu tenho a eternidade dentro de mim!
(em “Visão Longínqua”)

Hermes Fontes (1888-1930) foi um dos pontos mais altos da poesia da Belle Époque brasileira e, sem qualquer dúvida, de todo o Simbolismo nacional. A sua ascensão ao posto de genial logo após a sua estreia com Apoteoses (1908) foi, pouco a pouco, sofrendo de uma lenta e agonizante queda ao ostracismo, das mais injustas de nossa literatura. O fato de sua poética ser palpitante de sentido trágico, perscrutador de uma metafísica complexa, às vezes de uma eloquência épica, fez com que a sua figura se distanciasse do furor modernista que tomou vulto após 1922. Porém, àquela época, faltou reconhecimento às realizações que Hermes operara no verso livre e na poesia visual, muito antes das vanguardas autoproclamadas revolucionárias. A má interpretação com a sua poesia foi tamanha que, diante de seus mais profundos gritos de desesperação, poucos lhe encararam com seriedade, levando muitos críticos a concluir que seus versos eram meras falsidades ou exageros de um gênio efervescente. Foi autor de dez livros, configurando-se em um dos mais fecundos poetas daquela época.
Hermes Fontes em sua maturidade.
Créditos: Wikipédia
É impossível, no caso do poeta sergipano, separar alguns trechos de sua vida da evolução poética que lhe decorreu. Desde muito cedo estudando no Rio de Janeiro (formando-se, em 1911, no curso de Direito), viveu saudoso de sua terra terra natal, sendo Boquim referenciada várias vezes em seus livros. Apesar da imediata celebridade que lhe foi louvada após a sua estreia, a sua vida pessoal raramente deixou de ser envolvida em desalento. A morte de sua mãe, sem que ele pudesse acudi-la, o fim de seu casamento com Alice, por quem era absolutamente apaixonado, a frustração pelas cinco rejeições da Academia Brasileira de Letras, foram ao poeta golpes duríssimos, implacáveis, que lhe marcam definitivamente as obras a partir d'O Ciclo da Perfeição (1914). Hermes, que era um pouco gago e tinha a audição prejudicada (o que não o impediu de também ser compositor), foi se isolando cada vez mais em seu sonho e em sua tragédia pessoal, não raramente clamando por ajuda em vários poemas. Não resistiu, porém, ao seu destino: na véspera de Natal de 1930, matou-se com um tiro no peito.
            De Apoteoses, há de se transcrever um dos mais geniais poemas que o nosso Simbolismo tem para oferecer. O conceito de poesia visual, em uma concepção mais desenvolvida, é esse de Hermes Fontes, e que também foi utilizado por Fagundes Varela, no poema “Na Cruz”, ou por Da Costa e Silva, no clássico “Madrigal de um Louco”, entre vários outros exemplos; ou seja, aquele poema em que formação da imagem vem por meio da polimetria, mas em que qualidade textual ainda se sobressai à pictórica. Ei-lo:

POUCO ACIMA DAQUELA ALVÍSSIMA COLUNA (em Apoteoses)

Pouco acima daquela alvíssima coluna
que é o seu pescoço, a boca é-lhe uma taça tal
que, vendo-a, ou vendo-a, sem na realidade, a ver,
de espaço a espaço, o céu na boca se me enfuna
de beijos – uns, sutis, em diáfano cristal
lapidados na oficina do meu Ser;
outros – hóstias ideias dos meus anseios,
e todos cheios, todos cheios
do meu infinito amor...
Taça
que encerra
por
suma graça
tudo que a terra
de bom
produz!
Boca!
o dom
possuis
de pores
louca
a minha boca!
Taça
de astros e flores,
na qual
esvoaça
meu ideal!
Taça cuja embriaguez
na via-láctea do Sonho ao céu conduz!
Que me enlouqueças mais... e, a mais e mais, me dês
o teu delírio... a tua chama... a tua luz....

            Em Gênese, publicado em 1913, a sua metafísica começa a se desenvolver pouco a pouco, sem os exageros verbais de seu livro de estreia, ao lado de um romantismo ainda alentado. O sentido simbólico dessa obra – o da criação de todas as coisas – fez com que ela fosse dividida em quatro partes e doze sub-seções, revelando o caráter grandioso, quase épico do livro. Vejamos um dos mais interessantes sonetos de Gênese:

LUAR (em Gênese)

Noite ou dia?! Ilusão... É noite. A Natureza
tem um pudor de noiva, ao beijo do noivado:
sonha, velada por um véu diáfano, e presa
de um sonho branco, um sonho alegre, iluminado.

A Lua entra por toda a parte, clara, acesa...
Desabrocham jasmins de luz, de lado a lado...
E o luar – vê bem: dirás que é o óleo da Tristeza
diluído pelo céu... pela terra entornado...

E há nos raios da Lua – a um tempo, hastis e lanças,
corações a sangrar feridos do infortúnio,
flores sentimentais do jardim das lembranças...

A ave do Sentimento as asas bate e espalma...
e, enquanto se abre aos céus a flor do Plenilúnio,
abre-se, dentro em nós, o plenilúnio da Alma...

            Também em Gênese, encontra-se um dos mais propagados sonetos de Hermes Fontes – no caso, por ser de uma musicalidade rara, quase de um missal, mas, sobretudo, por atingir poeticamente a genialidade incontestável. A questão da idealização feminina, para ele, foi um tema importante até o fim de seus dias, variando, somente, a postura melancólica do autor diante da musa ou a postura idólatra. Ei-lo:

IN EXELSIS!(em Gênese)

Glória a Ti, que és perfeita em quanto, humanamente,
possa alguém atingir à perfeição moral!
Glória! Ao desabrochar dessa alma redolente,
o incenso do meu culto, o hino do meu ritual!

Glória a Ti, só a Ti, pois é de Ti, somente,
ó Expressão Natural do Sobrenatural,
e é só em Ti que encontro a invisível semente
com que, assim, frutifico em pensamento e ideal!

Glória, em Ti, alma-irmã! Milagre que conferes
a todos os que atrais e a mim, que repudias,
a alta revelação da maravilha que és!

Glória, em Ti, ao Amor! Glória! em Ti, às mulheres!
A Ti, que reduziste a glória dos meus dias
a degrau do teu Sólio, a escrínio dos teus pés!...

            O livro seguinte de Hermes Fontes, Ciclo da Perfeição (1914), marcou o início da queda de sua popularidade. Se ele havia mantido grande parte de seu status durante os seis anos seguintes de sua estreia, a partir da obra publicada em 1914, enquanto a sua vida lhe pregava reviravoltas trágicas, as temáticas ficavam cada vez mais intimistas, fúnebres, não raramente em um prenúncio desesperado de seu fim. O poeta, não obstante a queda de popularidade, crescia, desenvolvia-se, aguçava-se em seu ofício, e a dor como deságue essencial de um sonho inalcançado – leitmotiv dessa fase – se sobressai ao amor e até mesmo ao ideal, mesmo que a estes o poeta jamais tenha abandonado. De Ciclo da Perfeição, vejamos um soneto:

ÚLTIMO SONHO (em Ciclo da Perfeição)

A Mário Pederneiras

Tanto esforço perdido em ser perfeito,
em ser superno, tanto esforço vão!
Sonho efêmero! acordo, e em torno ao leito,
a mesma inércia, a mesma escuridão!

Vejo, através das sombras, um defeito
em cada cousa, e as cousas todas são
para os meus olhos rútilos de Eleito
prodígios da impureza e imperfeição.

Fico-me, noites adentro, insone e mudo,
pensando em Ti... que dormes esquecida
do teu amargurado Sonhador...

Ah! mas, ao menos, se imperfeito é tudo,
salve-se, às mil imperfeições da Vida,
a humilde perfeição do meu Amor!


            Essa sombria época de Hermes Fontes, apesar de ser uma das mais fecundas, contou, em seus momentos mais desesperadores - verdadeiros clamores por ajuda - com uma crítica insensível. O caso mais flagrante foi o de Medeiros e Albuquerque (autor de um dos primeiros livros decadentistas brasileiros, Canções de Decadência, 1889), que, ao se deparar com o poema “Superstição”, presente em Miragem do Deserto (1917), considerou que o poeta fazia “considerações engraçadas” sobre o seu nome. O poema, em realidade, é de um prenúncio funesto arrebatado. Note-se, porém, além dessa percepção, o seu verso livre, musicalíssimo, típico do autor. Ei-lo:


SUPERSTIÇÃO (em Miragem do Deserto)

H. F. 

As duas iniciais do nome a que respondo
(e é pena que, horas e horas, me atarefe
nesta superstição!),
as duas iniciais do meu nome – H. F. -
têm um símbolo bom, junto a um símbolo hediondo,
um destino de herói e um de vilão:

há no H uma escada, um degrau de subida,
uma vaga noção de arquitetura
interrompida...
O Fé, porém,
forca... poste fatal... marco do fim da Vida...
guindaste de almas para a sepultura,
para a eterna Altura,
para o Além...

Para subir à força do meu F
tenho ao lado uma escada – o meu H.
Carrasco, magarefe,
alto lá!
alto lá!
Por suas iniciais, meu nome ensina
a não temer pressentimentos vãos.
Ergástulo, fogueira, ou guilhotina,
cicuta, ópio, ou morfina...
- Quem sabe a sua sina?
- Quem sabe lá se há-de morrer por suas mãos?


            Após alguns trabalhos de menor relevo – apesar de ainda configurar-se em poesia de boa qualidade -, em 1922 foi publicada a grande obra dessa fase intimista de Hermes Fontes: A Lâmpada Velada. Perambulando entre a metafísica (“Dor Cósmica”) e a saudade de seu frustrado amor (“Aquele Amor”), entre outros temas como o Tempo, a música, a arte e a morte, é, sem dúvida, a sua obra mais completa e complexa. Curiosamente, o ano de 1922 ficou marcado, por convenção, como o ano da reviravolta modernista no Brasil, consequente da Semana de Arte Moderna; porém, nesse mesmo período Hermes Fontes lançou a sua Lâmpada Velada, Raul de Leoni entrou na história com a sua Luz Mediterrânea, entre outros grandes poetas não ligados ao movimento modernista que durante - e depois de 1922 - não se vincularam ao estouro vanguardista. Convém, portanto, também jogar lume à espetacular produção literária da época e que não estava ligada aos modernistas. Enfim, vejamos um poema de A Lâmpada Velada e que, apesar de longo, a sua completa transcrição se faz necessária:

MARCHA-FÚNEBRE (em ALâmpada Velada)

Manda apagar a lâmpada. Estou triste
e quero ficar só com a minha Tristeza.
O Plenilúnio me abençoa e assiste:
- é uma lâmpada acesa.

Abençoa-me, vem até mim, tranquiliza
a minha inquietação.
E, macia, de plumas, indecisa,
toca-me, entrou-me o quarto aberto, a viração.

Se eu pudesse fechar os olhos, por instantes,
por séculos, ou pela eternidade!... Há dias
tenho a perseguição de sonhos delirantes
e fantasmagorias...

- Manda apagar a lâmpada. Prefiro
a penumbra... A penumbra é menos má.
Amo a ronda espectral dos mistérios, ao giro
das coisas redivivas do Sabá.

Mora-me em frente uma vizinha douda.
Tem por só convivente um velho piano.
E, à meia-noite, quando a rua toda
dorme o primeiro sono, honesto e humano,

quando eu mesmo, que sou essa coruja inata
no homem que envelheceu precocemente, estou
durmo-não-durmo – soa o adágio da Sonata,
o Miserere... Escuto – é a Doida que acordou.

Ontem, à meia-noite, eu contava escutá-la.
Meia-noite... hora e meia... E o piano, sempre mudo!
Quis ver. Olhei em frente: estava acesa a sala,
dois círios, um caixão, muita gente... E era tudo.

E, agora, a insônia. Estou sem calma. Abro a janela,
fecho-a, de novo; torno ao leito, enfim.
Eu nunca vi a Doida, e estou estou pensando nela!
Talvez pensasse aquela doida em mim...

Já no entre-sono, o meu espírito parece
velar meu próprio corpo. Ardem dois círios.
Sinto em redor de mim pálidas mãos em prece
e um perfume augural de rosas e de lírios.

E o sonho faz-me ver, na ilusão agoureira,
meu próprio funeral:
Ouço perfeitamente, à minha cabeceira,
a voz do orgão-maior enchendo a catedral!...

Minha vizinha doida ressuscita
e com aquelas mãos tuberculosas
senta-se ao piano e ensaia uma canção maldita...
Dá-me espinhos, com isso, e me recolhe as rosas...

E torna ao velho piano. E soluça e se expande.
Agora, é a Marcha-Fúnebre... Faz crer
uma reincarnação de Georges Sand...
Chopin desperta em mim o que ia a adormecer...

Pobre vizinha! Estás bem viva. E antes morresses...
Ardes de amor por mim, ardo por outra. É a vida.
Deve ser meia-noite, ou mais. Que uivos são esses
que vêm lá dos confins da Sombra adormecida?

- Manda acender a lâmpada. Depressa!
A lua se apagou, há luto no jardim.
E a mal-assombração deste sonho começa
a infundir um pavor de realidade em mim.

Aqueles uivos, longe... aquela voz tão perto...
É a Marchaque Chopin fez para os meus ouvidos,
cheia dos uivos que enchem o deserto,
uivos imemoriais dos mundos esquecidos...

… São as lamentações de almas em abandono
que, na febre da sua exaltação,
velam o próprio corpo, alam o próprio sono,
fazem quarto de morte ao próprio coração...


            Apesar de se configurar em um poema polimétrico, não se compara à variação de “Superstição” e de outros poemas mais ousados do autor. “Marcha-Fúnebre” é uma espécie de poema-espelho da fase mais sombria de Hermes, mas também de uma grande representatividade daquela que é uma das mais belas intertextualidades do Simbolismo: o trabalho verbal e o onírico com a música clássica.
            Muito comum também aos simbolistas brasileiros foi a tendência de homenagear os seus ícones literários. A quantidade de poemas dedicados a Cruz e Sousa, Baudelaire e Mallarmé é praticamente incontável; em menor número, havia os poemas-homenagem às cores-signo de Rimbaud. Hermes Fontes, em Lâmpada Velada, escreveu um dos mais belos sonetos em preito a Cruz e Sousa, talvez um dos mais importantes do estilo. Vejamo-lo:

O CARVÃO E O DIAMANTE (em A Lâmpada Velada)

(Pensando em Cruz e Sousa)

Teceis, Senhor, de insólitos contrastes,
a matéria que jaz e a essência que erra.
Foi das classes humílimas da Terra
que o vosso filho e intérprete tirastes.

Fizestes, lado a lado, o abismo e a serra...
E aos atros, nos seus rútilos engastes,
desdes a luz eterna, e os distanciastes
lá longe, como a alguém que se desterra!

No carvão, escondestes o diamante.
E ocultastes as pérolas, sob a água,
e os prásios, sob a areia transitória.

E foi à alma de um negro agonizante
que houvestes a mais pura flor da Mágoa
e a dor mais alta pelo Amor e a Glória!

            Paira, em A Lâmpada Velada, um profundo sentimento de desalento e frustração. O último terceto de  “Bem que se Perde...” grita ao expôr a agonia do poeta (“Felicidade, dolorosa esfinge!/ - tu não me foste o bem que não se atinge!/ - foste o que se alcançou e se perdeu.”). Poemas de prenúncios mortuários, mas, sobretudo, de uma tentativa de compreensão da própria existência que se seguia (“Para que mundo irão? Pelo que o olhar expande,/ nenhum dos dois se reconhecerá.// Se ela o reconhecer, dirá: Como eras grande!/ Se ele a reconhecer, dirá: Como eras má!”) - em “Encruzilhada” -, demonstram que, ao contrário do início de sua carreira, quando a poesia lhe era a grande aspiração para a glória, o verso tornara-se, com o passar do tempo, o seu único meio de salvação e de diálogo consigo mesmo e, com uma réstia de esperança, com o mundo que já não lhe ouvia como em outrora. Em sua obra-prima, Hermes expôs em linhas de rara beleza esse seu sofrimento:

ARQUEJO (em ALâmpada Velada)

Comoção de minha Alma iluminada....
Maturidade esplêndida do Amor...
… Para quê? É-me inútil a escalada
e já descri de ser o vencedor...

Desfeito o altar, por que manter a escada?
Meu destino é de chamas e esplendor,
mas olho em derredor, não vejo nada,
senão a minha Sombra e a minha Dor!

A minha Dor – essa imortal ruína;
a minha Sombra – essa espiã divina,
e a minha Solidão, em torno a mim:

E esta desilusão, e esta saudade,
e esta mentira de celebridade,
e este cansaço de esperar o fim...

            Nas obras posteriores, Hermes Fontes se voltou à terra natal e a uma poesia um pouco mais patriótica, como em Despertar! (1922). A sua poética, nessa obra, louva o Brasil, as suas lendas, cultura e beleza, de maneira competente, mas sem atingir a mesma qualidade dos livros anteriores. Trechos como “Dezembro em meu país. Ao pôr-do-sol, dir-se-ia,/ o azul se amplia,/ o céu aumenta,/ a terra aumenta, aumenta o mar./ Que espetáculo! E que hora de harmonia!”, constituem, tematicamente, grande parte da obra. O estilo de Despertar! se aproxima muito mais de um Pós-Romantismo (condizente ao momento de sincretismo pelo qual a nossa literatura passava) do que propriamente um Simbolismo, inclusive porque, durante a obra, poucos versos foram postos sob a opala do signo.
            Mais relevante, da produção final de Hermes Fontes, é o seu livro derradeiro, A Fonte da Mata (1930), escrito em homenagem a um dos seus locais mais queridos de Boquim. Apesar de manter, às vezes, ainda um tom ufanista, o que se vê, por um lado, é um poeta resignado com o seu próprio fado, flertando com a harmonia-perfeita estoica, por outro, verdadeiras despedidas, lamentos finais de uma alma que já não seria ouvida. O poema “Suave Amargor” demonstra certo equilíbrio entre essas tendências. Vejamo-lo:

SUAVE AMARGOR (em A Fonte da Mata)

Sofrer é o menos, minha suave Amiga;
todos têm sua cruz ou seu cajado
- cruz de dor, ou cajado de dever...

Este é sereno; aquele se afadiga:
um, só pelo desejo contrariado,
outro, por esperar, sem nunca obter.

Tudo muda, dirás... Mas, certamente,
não muda a luz: - vem sempre do Nascente
para o mesmo calvário do Sol-Pôr!

Sofrer é o menos... A dificuldade
é sofrer sem protesto e sem rancor;
é morrer sem tristeza e sem saudade:

morrer, de olhos em Deus, devagarinho,
ciciando uma palavra de carinho
aos que vivem sem fé e sem amor...



            Hermes Fontes foi um dos melhores poetas brasileiros e, diante de sua obra que tanto nos entregou em beleza e desenvolvimento estético, o fato de seu nome estar no anonimato até hoje, como se ele ainda estivesse cumprindo o seu destino de queda, é inaceitável. Foi o poeta de Boquim uma das mais autenticas vozes literárias de nossa Belle Époque, e que, antes de 1922, já escrevia poemas-visuais, versos livres, sonetos polimétricos, sendo reconhecido, por Oswald de Andrade, como o poeta que, ao lado de Gilka Machado, começou “a abrir desvãos através dos quais seria possível prever a chegada da primeira revolução literária que houve no Brasil”. Para Hermes, que se diga, basta – como se fosse pouco - o que se fez a Gilka: uma publicação recente de sua obra. A poeta carioca, genial como foi, importante como foi, também correu o risco de esquecimento graças ao foco excessivo nos poetas de convenção, salvando a sua obra desse ostracismo a publicação da Poesias Completas, em 1992. Andrade Muricy já atentava, em seu Panorama do Movimento Simbolista Brasileiro, que “Hermes Fontes está muito mais esquecido do que a decência deve permitir em terra culta. Ele e Augusto dos Anjos foram, no entanto, os maiores poetas da sua geração”. Ou seja, já é tempo de recuperar a obra do autor de Gênese, uma das mais belas produzidas no Brasil, vitimada por um dos mais incompreensíveis casos de esquecimento já ocorridos em nossa poesia.



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