SE
Não importa se quem sofre
É americano, europeu,
Afegão ou australiano.
Não importa se quem sofre
É anglicano, judeu,
Cristão ou muçulmano.
Importa quem sofre,
Porque todos
São filhos.
Como podes julgar
Se vês só até onde tua vista alcança
E do lugar em que estás?
Se os sapatos de Treblinka
Ainda teimam em andar,
Lembra-te que a paz insiste em voar.
Afia tua faca com o melhor moleiro
E corta, sem dó,
Todos os preconceitos.
E fazes agora,
Porque passado é lembrança;
Futuro, esperança;
Agora, só agora, é.
Dissolve o inverno,
Sem prelúdio e, de súbito,
No verão da tua alma.
Verás que era sonho
O que julgavas real: tudo era “se”.
E, sendo imaculado o sonho,
O que julgavas real se despe; é agora limpo.
O QUE SOBROU (Para Antonio Candido)
O que sobrou de você neste
Apartamento
Foram as suas roupas,
Que logo vão ser dadas,
Os seus livros,
Alguns dos quais serão meus,
Aqueles que compramos juntos,
As lembranças.
O que sobrou foram seus retratos e,
Quando vi uma foto sua, sorridente e saudável,
Lembrei-me de que não me preparei
Para a sua vinda,
Mas pude me preparar para a sua ida.
Mas quando você foi,
Ah, meu Deus!
O que sobrou?
O que sobrou
Fui eu.
Apartamento
Foram as suas roupas,
Que logo vão ser dadas,
Os seus livros,
Alguns dos quais serão meus,
Aqueles que compramos juntos,
As lembranças.
O que sobrou foram seus retratos e,
Quando vi uma foto sua, sorridente e saudável,
Lembrei-me de que não me preparei
Para a sua vinda,
Mas pude me preparar para a sua ida.
Mas quando você foi,
Ah, meu Deus!
O que sobrou?
O que sobrou
Fui eu.
POEMA DA TUA AUSÊNCIA (Para Antonio Candido)
Um poema de amor na tua
Ausência
É mostrar a dor nua com
Inocência.
É falar dessa dor que não
Sinto
E que me dói por não
Senti-la.
Será essa uma mentira
Inacabada?
Será essa dor insuportável
Incapaz de sentir-se?
Um poema de amor na tua
Ausência
É uma vã tentativa
De te ver ali, imóvel,
E de te amar na sombra
Que ficou em mim.
Um poema de amor na tua
Ausência
É mostrar a dor nua com
Inocência.
É falar dessa dor que não
Sinto
E que me dói por não
Senti-la.
Será essa uma mentira
Inacabada?
Será essa dor insuportável
Incapaz de sentir-se?
Um poema de amor na tua
Ausência
É uma vã tentativa
De te ver ali, imóvel,
E de te amar na sombra
Que ficou em mim.
CHUVA
Há dias em que chove dentro de mim.
Não uma tempestade,
Mas uma garoa fina e fria que me
Toma de assalto.
Nesses dias a vida sofre para viver.
Nada pode ser feito,
Nada agasalha a alma doída,
Ao relento.
É antes uma névoa que me impede
A expressão,
Do que a ausência do que se pode
Expressar.
Em dias assim eu me recolho incompleta
E não me exponho ao sol,
Posto que seus raios não me penetram.
Em dias assim devo pensar: isso passa.
Nesses dias, deixo-me chover e escoar.
Há dias em que chove dentro de mim.
Não uma tempestade,
Mas uma garoa fina e fria que me
Toma de assalto.
Nesses dias a vida sofre para viver.
Nada pode ser feito,
Nada agasalha a alma doída,
Ao relento.
É antes uma névoa que me impede
A expressão,
Do que a ausência do que se pode
Expressar.
Em dias assim eu me recolho incompleta
E não me exponho ao sol,
Posto que seus raios não me penetram.
Em dias assim devo pensar: isso passa.
Nesses dias, deixo-me chover e escoar.
PÉS
Sob meus pés,
Nada –
E esse nada me
Sustém
FLOR DE CAMINHO
Há de nascer uma flor de lótus
No meio
Do caminho.
Há de nascer uma flor de lótus
Permanente
Para que a gente suporte,
Para que a gente se importe
Com o que está à nossa frente.
Há de nascer uma flor de lótus
Permanente
Para que a gente suporte,
Para que a gente se importe
Com o que está escondido,
Longe do nosso umbigo,
Calado numa noite quente.
Há de nascer uma flor de lótus que nos lembre:
O caminho do meio não é
O meio do caminho.
INFÂNCIA
Um rosto envelhecido,
Infância ausente,
Mistérios desvelados.
Tão cedo,
Tão cedo.
Um rosto escondido,
Anônimo descrente,
Olhos marejados.
Tão cedo,
Tão cedo.
Um rosto bandido,
Corpo decadente,
Sonhos desfigurados.
Tão cedo,
Tão cedo.
Um rosto sem verbo,
Uma não-existência,
O rosto de um servo
Sem complacência.
Um quê de inocência,
Um quê de indecência,
Um rosto vencido
De alguém falecido.
Tão cedo,
Tão cedo.
GRITOS
A noite chega
Num arremesso.
De nada adianta
Tapar os ouvidos
Se os gritos
Saem dos ossos.
O TALHO DA NAVALHA
Vacilo, mas me arrasto
Nesta floresta de espinhos
Que é a vida.
Essa loucura
Que me consome antes a alma
Que o pensamento
É a espada reluzente sob a névoa
Que Otelo não pôde baixar.
Espinheiros se fecham
E me alcançam a pele do
Avesso.
Ao acaso e sem raxão,
O Hades gesticula com mãos
Sangrentas.
Nada mais sinto
Além da desolação generosa da
Solidão.
Minha alma, contudo,
Ainda geme,
Até que tudo cesse
Num último suspiro.
Que seja breve e indolor
Como um talho de navalha.
CRISTAL AMARELO
Essa noite insuportável
É transitória
E desse longo crepúsculo
Sairá um cristal amarelo.
Conto-me essa história
Todos os dias
Antes de dormir.
Talvez pela incredulidade,
A noite chega num arremesso
E viro de um lado para o outro
Até que amanheça.
Esse dia insuportável
É transitório
E dessa luz que me cega,
Sairá um cristal amarelo.
ABANDONO
Elas esbarram em nós
Com seus chocolates, balas, truques
E limpam nossos para-brisas nos faróis.
Sua infância escorre como aquela
Água suja que vejo no vidro.
Uma moeda qualquer
É a medida do seu valor.
São crianças sem dúvidas poéticas
Ou filosóficas.
Não há Hamlets entre elas.
Não estão entre o ser e o não ser.
Não são.
Elas esbarram em nós
Com seus chocolates, balas, truques
E limpam nossos para-brisas nos faróis.
Sua infância escorre como aquela
Água suja que vejo no vidro.
Uma moeda qualquer
É a medida do seu valor.
São crianças sem dúvidas poéticas
Ou filosóficas.
Não há Hamlets entre elas.
Não estão entre o ser e o não ser.
Não são.