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A POESIA DE SOUZALOPES (12/08/1954 - 28/05/2012): 7 CANSÕES

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7 cansões
(seção do volume inacabado "ÕIO")


maRio

(canção para o fantasma só de mário de sá carneiro)


                               rios que perdi sem os levar ao mar
                                             (m. de s. c.)


entre mar e rio
morro submerso
cruel naufrágio
de pobre universo


louco partindo espelhos
quase homem ao inverso
entre sonho e tédio
em turvas águas imerso


verme voando oceanos
a ver-me vertendo versos
viajo entre mar e rio
sob um tal céu adverso


uivo (lançado ao nada)
de cão ferido subverso
chuva miúda no caos
moeda apenas reverso


pássaro caído no deserto
gato mijando versos
naufrágio entre além e azul
e a angústia do se ver só



Coy3a

(cansão para um phantasma de cruz e coyza)


não sei que tempo que tomo
nem que palavra ladrar
sol tombado sobre monte
satellyte ébrio no mar


não sei que coisa ou symbollo
me vai raspando na alma
me vejo napalm e grito
me vejo nevrose na palma


onde pomba e abutre
ou carcará e borrego
só se dirá poetude
por nosso desassossego


cavarei caveira augusto
dos anjos do necrosário
vagarei átomo bruto
lá no vagão dos cavalos


por miséria e alfabeto
não tive europa nem roupa
fiz filho morto tubercu
loso na rosa mais louca


lascada a cruz resta coyza
a pele preta e mais nada    
– quem sem ouvidos que ouça
a poesia contratada


a forma vã é venal
presa cobra sem veneno
– sou só cruz de mijo e sal:
coyza só cru e pequeno


Nota do autor:"coy3a", lê-se “Souza”, no alfabeto cirílico.



POSOPIÁRIO

(cansão para o fantasma muitiplicado de fernando pessoa)


quando me mato me morro
no gabinete da vida
não vejo luz nem escuro
não digo já nem ainda


atrás do tempo perdido
(miséria de zero por nada)
contra o ouro amarelo
cega faca enferrujada


me morro do que me mata
que morrer é minha prosa
(verso fervendo no tacho
da fala que falo nossa)


cresce o pelo da palavra
como flor que arrebenta
na prega mestra do mundo
o musgo da diferença


quando palavra é soluço
não temos plural para nós
todo morte é corda incerta
nós atamos todos nós


sem porta parede ou janela
no vago vadio do chão
maconha nenhuma acompanha
o fumo do nome não


morre o feto que morreu
ña corda do próprio embigo
viva forca no pescoço
calando a voz do comigo


no gerúndio desta vida
indo gemendo vou eu
como fantasma defunto
chorando que não morreu


do meu mim nada mais deixo
senão tornado em deserto
nenhum vento inventei
nenhum deus me teve perto



BARCA BEBUM

(cansão para o fantasma velho do mais moderno Rimbaud)


armas palavras escravos
tudo isso trafiquei
na luz escura do inferno
eu só me digo não sei


sofrendo amor feito macho
outro não-eu me fiz um
sem perna trotando cascalho
como barcaça bebum


desta vida só espero
o dia de dizer fim
assim diremos outrora
o tempo será festim


tive perna que morrei
e a folha em escrevo
– todo poema que falo
é erro torcido nervo


fiz sentar-se em meu joelho
qual serviçal da cicuta
toda beleza (ab)sinto
triste e nua feito puta


¿cadê o homem? ¿cadê?
seu tiro não me matou
poesia só-somente
no meu nome se mentou


porque poesia não sei
– nau ou verso ou ferramenta –
vida muda se aumenta



DO-EU

(canção para o fantasma quase thysico de augusto dos anjos)


aquele me amola a faca
num olho esquerdo ou direito
vem profunsissimamente
lambendo escarro no peito


sofri de pele e de ponte
sofri o peso da sombra
rastejei vida tão magra
onde vida não se encontra


urubu já foi chymera
pousando palavra e scyencia –
ressigo thysico a vida
na reta circunferência


ganhei todo meu perdido
golfando saliva azeda
necrotério plantei vário
fiz me homem só de medo


magro de magreza feia
só do mais feio falo
aqui meu vulto esquisito
trovando trovão e abalo


na catedral do desejo
num pau d’ arco parahyba
nos arrecifes do agra
fui sombra de morte




DECORVO

(cansão para o são fantasma de edgar a. poe)


habominável este mundo
para sempre habominável –
pra quem fala branca pomba
hurubu é também ave


have também este corvo
nos peitos de leonor
(chupei vida e nunca mais
mais nunca perdi a dor)


constelações avistei
nos dentes de berenice –
psycologia espero
me houvindo o quanto disse


have álcool no meu corpo
escaravelho que escrevo
gótico talvez por syphylys
ou pela gota que bebo


por toda atenéia palas
pálido tomo cachaça –
composição decomposta
na minha hartéria mais macha




SEXTINA FEDERICA

(cansão para o fantasma assassinado de f. garcia lorca)


o meu nome é federico –
montando negro cavalo
ouvi granada na espanha
às cinco da madrugada
– em granada e lua e fonte
sem leito meu dia morreu


só me salvou do morrer
o me fazer federico
(cantando por pedra e fonte
matado perdi o cavalo):
– e no peito madrugada
soluça fuzil e espanha


foi espinha aquela espanha
quando meu sopro morreu:
severina madrugada
dum cigano federico
– mortos poeta e cavalo
cavalam campina e fonte


já vi seca minha fonte
¡cuidado com tua espanha!
lá vem o tempo a cavalo
galopando o que morreu
– quem mata federico
lua mata e madrugada


na cigana madrugada
bebo ressaca na fonte:
vou gemendo federico
¡ que se feda toda espanha!
– se rocinante morreu
quixote vai sem cavalo


meu verbo avua cavalo –
Sancho peno madrugada –
o cavaleiro morreu
cavando soluço em fonte
– severina viva espanha
el cid sou federico


*    *    *



ATENÇÃO!

LEIA TODA A HOMENAGEM A SOUZALOPES

[parte quatro: 7 cansões]


*   *   *




Nascido em 12 de agosto de 1954 em Recife, Pernambuco, Mário Nascido em 12 de agosto de 1954 em Recife, Pernambuco, Mário Luiz de Souza Lopes - ou simplesmente, Souzalopes - foi cedo para as terras grapíunas, onde chegou aos sete anos de idade, radicando-se em Itajuípe, Bahia. Sua infância e adolescência, passadas a beira do Rio Almada e no bucolismo do perímetro das Terras do Sem Fim, título do famoso livro de Jorge Amado (que retrata a briga pelas terras do Sequeiro Grande, em Itajuípe), formataram a base deste poeta, advogado e crítico literário, graduado em Direito pela antiga FESPI, hoje UESC nos idos de 1970. Era um devorador de livros e desde cedo manifestava, na verve poética, a irreverência e a aversão aos academicismos literários. Radicou-se em São Paulo desde 1982 até a sua morte, no primeiro semestre de 2012. Teve 3 filhos: Bárbara, em 1978, Iara, em 1980 e Luiz Guilherme, em 1984. Souzalopes publicou poucos livros, artesanais, distribuídos aos amigos. CONFIRA OS LINKS ABAIXO. Apesar de desconhecido na Bahia foi militante ativo em vários movimentos de contracultura, em jornais e revistas nacionais. Com o Grupo Cultural Cacoré, realizou um Seminário de Poesia na Capital Paulista. Souzalopes escreveu  para a Revista Brasil Revolucionário, onde publicou o Manifesto do Partido Comunista em CordelFaleceu em 28 de maio de 2012. Os familiares e amigos fizeram, no dia 12 de agosto de 2012, na Vila Malva, uma Cerimônia Póstuma onde as cinzas de Souzalopes foram depositadas sobre as águas do Rio Almada, conforme o seu último desejo. Agora, a convite de mallarmargens, amigos pessoais, agregados e admiradores da obra poética de Souzalopes, até então conhecida por pouquíssimos, pretendem conferir mais visibilidade à produção do artista. Vale lembrar a iniciativa pioneira do amigo pessoal Eduardo Miranda*, que publicou eletronicamente parte da obra do poeta, de onde foi extraído o texto "ferro & carcoma", nunca publicado, que ganha versão simulada de um livro real. Souzalopes também deixou poemas esparsos publicados aqui e ali em revistas de papel e esquinas da internet e o volume inacabado "ÕIO", uma colagem de poemas dos livros anteriores. Também citamos a importância do Espaço Cultural Mané Garrincha pela preservação, reunião e divulgação da obra do poeta. A partir de hoje, mallarmargens pretende lançar luz sobre a obra deste artista, até então pouco valorizada, estudada e entendida pelo Brasil afora. Evoé Souzalopes!

OBRA DISPONÍVEL ONLINE [via ISSUU]

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