1964
Nasci golpe e medo
Incerta escuridão
Uns acham
Sou linda
Outros
Revolução
1965
A mulher com a vassoura
Passa pelo meu berço
levantando fadas
que brincam
com a luz da janela
Alegria
1966
Cercaram meu caminho
Não sei
Se sou perigosa
Ou se o perigo está nos outros
1967
Tenho uma
Irmã-amiga
Tenho uma
Irmã-rival
Agora entendo porque
inventaram o
Homem do saco
1968
Descobri
bisavó
Descobri
tia-avó
Segurança tem cabelos brancos
1969
Chorei todas as lágrimas: queria dançar quadrilha
Não podia
Meu irmão mais velho chorou as dele: não queria dançar quadrilha
Era obrigado
A mais novinha também chorou
Solidária
1970
Não havia ninguém na rua
Saí pra dizer adeus...
1971
Peguei sarampo
Uns dias sem escola nem amendoim
E uma vontade doida
de sentar ao sol
e esperar um amigo trazer a lição
porque a vida já não sabia de tudo
1972
Confrontar o poder
Era gritar no quintal
Garrafa
Azul
Medicina!
Garrafa
Azul
Medicina!
Bisavó avisava:
-- Não diga que é de esquerda, menina canhoteira!
1973
O caos reinou
e tive medo
Queimar meus pés tortos
no fogo do
Edifício Joelma
1974
Subversão
Queimei dinheiro
no quintal
pra ver se dava
cadeia
Esperei exército, tortura, exílio
Descobri
segredo e
liberdade
Cathia de Almeida, já foi de tudo na vida até escolher ser só mulher, poeta mãe e professora de mosaico. Nada está em ordem porque a vida não tem ordem e tem dias que a gente não é nada mesmo. De resto ouvir passarinhos, cuidar de cães, olhar o mar.... com a certeza de que tudo acaba!