Quantcast
Channel: mallarmargens
Viewing all articles
Browse latest Browse all 5548

7 poemas de Rodrigo Madeira

$
0
0



 
exercícios banais 1

  
há lugares onde a saudade, não fosse ela inopinada
e irrecusável, se exerce com método:
nos bancos de praça, pelas janelas
do quinto ao sétimo andar, diante do mar
nos alpendres dos sobrados, no interior do goiás
dentro dos ônibus interestaduais
e nas penitenciárias.

há lugares onde a saudade, não fosse ela inopinada
e irrecusável, não encontra passagem:
na rua XV do zênite, no pega-pra-capar do trânsito
na fila do banco, pelas escadas carregando compras
em frente aos muros pichados, nas lojas de sapatos
celulares e ares-condicionados
dentro de túneis, elevadores e mictórios. 



 
vida


1

quando a morte abriu a porta da garagem, anne
sexton, vestindo o velho, memorioso
casaco de pele,
acelerou.


2

aquela noite, no palacete do mito, dylan thomas, cambaleante,
abrindo-se a braguilha, regou o belíssimo
vaso de flores de seu ídolo.

chaplin ficou ultrajado; chaplin, o escada,
o que caiu de bunda, o polícia.
aquela noite dylan thomas é quem foi
carlito.  

  
3

um segundo após fantin-latour
apenas esboçar le coin de table,
arthur rimbaud, com o mesmo
punho que sustinha delicadamente o queixo,
socou a mesa.  




borgeanas


I - AS RUÍNAS CIRCULARES

não morreu
(para morrer é preciso
que se permaneça vivo
verbo que pleno se conjuga apenas
no presente do indicativo)
baldeou-se, pois não, a um tempo mítico
 noite unânime
ou amanhecer sem pássaros
tarde sem moscas e formigas
em que um homem é todos os homens
uma era é todas as heras
sobre um muro de ruína.
não deixa mulher nem filhos
gado apartamento livros
lega propriedade vazia, gordurosa
memória pegada às línguas
pálpebras dígitos gengivas
daqueles que (preciso fosse reconhecer
um corpo) o conheciam

  
II - O IMORTAL

morrer não é fácil,
mas se lhe negam
os deuses
a humanidade acesa
e trêmula,
direito universal
à própria morte,
inventário de amor
e medo
circunscrito ao tempo,
o imortal, estúpido
de tão eterno,
esgotadas as vidas
possíveis e desejáveis,
senta-se sobre a pedra,
ali fica quase
sem memória – quem fui,
homero? – salinizando
os tornozelos
por séculos
e séculos,
fica
ele mesmo
cristalizado, pedra caso
pedra respirasse,
até que vento e
água dispersassem
sua carne feito areia




 
 
exercícios banais 3

  
foi uma revelação
                             
                     terrível
                     alegre
                             boquiaberta. eu tinha sete anos
                     e descobri: “eu vou morrer”


depois
com dez anos mais ou menos
vi de fato
A PRIMEIRA MULHER


 foi uma revelação
                            
                     terrível
                     alegre
                             boquiaberta. eu tinha uns dez anos
                     e descobri: “e vou amar”



 
cum(mings)

seven o'clock
time on
(the top
of)time,you
r naked (some)body
& my
(no)body
made of time
               
in
me
diately
(time on time
makes
eternity)

& we die

and reborn
seven
times
             
seven oh clock!

just
before
one(twobodies)
past seven
full of nerves & never
mores(sweet’n’
sour)
oh my!which brings us to the usual mortality of
ours



 
avulso


a eternidade era um colibri
bebendo o açúcar dos relógios




hunos 


como sou autor e gosto de tontarias,
como nada o obriga, ó cioso leitor,
a me emprestar seus olhos e tudo
pode vir a ser um jogo
de ombros, muxoxo, fechar de livro,

decido me arriscar nestes e noutros
instantes precários, escadas de vertigem.
suponha que haja

enxames de segundos,
que seja a morte do de antes
a nascença do seguinte na corrente ininterrupta.

suponha um enxame de segundos
 – vivo e mortos, mas somados –
no favo melífluo de uma hora; agora
suponha que dos favos colaborados
tenhamos a abstrata colmeia, o dia,
um único e precioso dia.

tudo pra que eu ou você, com um cajado,
cutuquemos e deitemos por terra.
tudo pra que eu ou você arranquemos
nacos, lambamos e deixemos o resto
atrás da horda de dedos e dentes, largados.

e depois voltemos, no último ônibus da última linha,
para os arrabaldes.


                                                    
Poemas do livro o latim das moscas, inédito.

Ilustrações: deviantART





Rodrigo Madeira (Foz do Iguaçu, 1979) Poeta. Vive em Curitiba desde 1992. Autor dos livros Sol sem pálpebras (Imprensa Oficial, 2007) e Pássaro ruim (Editora Medusa, 2009). Seu poema balada da cruzmachadofoi adaptado para o cinema por Terence Keller (Balada da Cruz Machado, 2009, curta-metragem). Assina o blog “blog às moscas” :
http://rodrigo-madeira.blogspot.com.br



Viewing all articles
Browse latest Browse all 5548