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"Delas" - Helga Bevilacqua, Grupo Educatho

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“Delas” leva aos palcos a busca da mulher pelo amor 

Espetáculo explora temas sensíveis ao feminino que dialogam com a modernidade

No dia 18 de julho o Teatro MuBE Nova Cultural recebe, em curtíssima temporada, o espetáculo “Delas”, uma performance teatral que leva ao  público as complexas questões inerentes ao amor contemporâneo e o papel da mulher neste novo contexto do relacionar-se.
Baseado no livro “@m@r”, de Helga Bevilacqua (Editora Patuá, 2013), “Delas” explora com sensibilidade e profundidade temas como a mulher que se vê dividida entre a liberdade sexual e o amor romântico, a esposa que se vê presa ao cotidiano do casamento vazio em detrimento a idealização do amor, a solidão das desconexões e das relações virtuais e o sentido da busca feminina pelo amor.



O espetáculo questiona o desapego como elemento das atuais relações, além de traduzir em uma linguagem própria, outros complexos sentimentos que permeiam as novas formas de se relacionar.
Delas é uma performance elaborada a partir de situações independentes, interpretadas pelas atrizes Daniela Mota e Nathalia e Neme, cuja dramaturgia não considera  uma única narrativa construída a partir de uma linha temporal. A partir de fragmentos cênicos, o público é convidado a refletir sobre os questionamentos apresentados acerca do universo feminino. O espetáculo é dividido em sete quadros, onde cada um, cria uma atmosfera própria.
O objetivo de trabalhar o espetáculo dentro deste formato reforça o tema das relações modernas, que trazem como característica a volatilidade e são destituídas de começo, meio e fim.
Neste contexto, o espetáculo é a fusão de três linguagens artísticas: a música, a encenação e a literatura. Todos reforçam a mensagem dos contos selecionados por meio de personagens, dança e canções interpretadas ao vivo por Cristina Pini, Rose Santana  e Vitor Meneguetti.
 “Delas”, com direção de Juliano Barone, direção musical de Wagner Passos e preparação de elenco de Bruna Longo, é um espetáculo conduzido com músicas ao vivo onde o elenco interage na dinâmica de um cabaré, cantando e encenando as diversas facetas sobre a busca do feminino pelo amor e seu complexo contexto moderno.



Sobre a produtora - Núcleo Educatho

Criado em 2006, o Núcleo Educatho é composto por profissionais renomados e capacitados nas áreas de teatro, dança, música, artes visuais, educação e produção cultural.
Nasceu com o propósito de desenvolver pesquisas e projetos entrecruzando arte, pedagogia e produção cultural, realiza em sua sede diversos cursos, oficinas, workshops, palestras e treinamentos relacionados ao universo teatral e educacional. Pois através desses trabalhos artístico-educativos o Núcleo propicia a todos, espetáculos, ações educativas e intervenções artísticas, visando sempre o crescimento e a ampliação das “bagagens” culturais de fazedores e espectadores da arte.
Com o propósito de fazer teatro para a família, a ideia é levar diversão e entretenimento sem esquecer da função social e política do teatro, mostrando ao público, adulto ou infantil, a possibilidade de refletir sobre as condições sociais e sobre o meio em que vivemos.

SERVIÇO

Teatro MuBE Nova Cultural
Quando: De 18 de julho a 26 de julho.
Horário: Sextas e Sábados às 21h30 horas
Endereço: Rua Alemanha,221- Jardim Europa – SP
Quanto: R$40 (inteira), R$20 (meia).
Duração: 60 min.
Classificação: 14 anos
Capacidade do espaço: 192 lugares
Ar condicionado.

FICHA TÉCNICA

DIREÇÃO ARTÍSTICA: JULIANO BARONE
TEXTO: HELGA BEVILACQUA
DIRETOR DE PRODUÇÃO : HELGA BEVILACQUA
DIREÇÃO MUSICAL E COMPOSIÇÃO: WAGNER PASSOS
DIREÇÃO DE MOVIMENTO: BRUNA LONGO
CENÁRIO: LUCAS FABRIZZIO
FIGURINOS: VICTÓRIA MOLITERNO
PRODUÇÃO EXECUTIVA: GIULIA AMORIM
ILUMINAÇÃO: VICTOR IEMINI
PRODUÇÃO DE ÁUDIO: MARCUS VERÍSSIMO E VICTOR IEMINI
DESIGNER GRÁFICO E PRODUÇÃO DE VÍDEO: VICTOR IEMINI
ELENCO: CRISTINA PINI/ DANIELA MOTA / NATHALIA NEME/ ROSE SANTANA/ VITOR MENEGUETTI/ WAGNER PASSOS
REALIZAÇÃO: NÚCLEO EDUCATHO.



Um conto de Helga Bevilacqua
 

Bilhetes

“O seu mundo já parou? Alguma vez, assim, já pareceu que parou?”. Essa era a última frase do bilhete que havia recebido da Juliana. Era uma sexta feira qualquer de setembro e eu havia me esforçado muito para chegar antes da professora de matemática, assim daria tempo. Ela me entregou o bilhete sorrindo. Eu lhe dei outro. E segui pelo corredor do colégio, andando apressado, para poder ler logo o que ela tinha a me dizer.
Ela me contava sobre a primavera no jardim do prédio dela. Juliana. Cada letra do seu nome escorregava no vão dos meus lábios e eu não pensava em outra coisa. Aquela cena, ali do jardim, seus pequenos seios florescendo no sutiã e os movimentos incontroversos do meu corpo. Quanto calor pode caber em uma mulher? Eu me perguntava. Aos quinze anos de idade, eu não conseguia ver outra coisa além dos corpos de mulheres. Eles estavam em todos os lugares, em todos os espaços, em meio às provas, na trave do jogo de futebol. Juliana, a primavera, os seus cabelos, o jardim do prédio. Li aquilo por muitas vezes, incansavelmente, até o desejo me mandar parar. Até que aquela imagem fosse consumida em jatos, atrás da porta bem trancada do banheiro.
Eu não era nada além de um moleque, com poucos pêlos no corpo e uma timidez transbordante. Era tudo desengonçado para mim naquela época. Meus cheiros, meus pêlos, meus tênis. Não era bom no futebol, corria pouco, ficava sempre para goleiro. E não sabia nada de mulheres. Mulheres. Meu deus, que assombração em corpos tão macios eram elas? Juliana. Cada letra do seu nome queria morar no vão dos meus lábios. E eu não cansava de repetir, repetir seu nome mentalmente, esfregando suas letras sobre o meu corpo, alucinadamente.
Foi o Rafa que sugeriu “convida ela pro cinema”. O colégio ficava perto de um. Era o plano perfeito, a gente iria almoçar e ao cinema depois. Juliana a tarde inteira. A primavera do seu prédio floriu em mim.
Ela aceitou o convite. Que foi por um bilhete, claro, por um bilhete. Comemos um sanduiche em uma lanchonete qualquer e ficamos falando sobre o grêmio da escola durante muito tempo. Eu não sei se consegui disfarçar meu desconcerto. Talvez não, pois nem me lembro o nome do filme. Eu queria colocar minhas mãos nas dela, eu queria dizer alguma coisa, eu queria colocar meu nome cravado entre os seus lábios, mas eu não consegui. Havia uma peça que eu não cabia no quebra cabeça. Será que Juliana também queria? Aos 15 anos que intensão tem o mundo?
Havia um peso muito grande entre ser um menino e ser um homem. Eu só não sabia. Juliana me despertava todo aquele medo. Minha barriga se contorcia. Eu, que deveria ser o garanhão, macho e provedor, me lançar sobre a presa e copular, de repente me vi uma minhoca sendo fisgada por um gavião chamado medo. Juliana me olhou com um sorriso pesado. Eu fui uma decepção.
Eu, justo eu, que havia de ser homem. Com a barba querendo despontar, com os pêlos e cheiros estranhos que me cabiam. Eu, sim, de certa forma era um homem, embora não compreendesse a razão biológica do mundo e me sentia esmagado pelo fato do cromossomo Y não admitir a timidez.
Era claro que ela estava decepcionada. Não menos do que eu, que havia voltado para casa chutando pedrinhas no asfalto.
Quanto peso existe no corpo de uma mulher? E agora, o que eu faria?
Os bilhetes cessaram. A minha tristeza foi tomando conta do corredor onde ficava a classe dela. Eu me sentia o pior moleque do colégio. Andava com a mochila mais pesada do que as costas.
E cabisbaixo pelo corredor, uma voz lá do fundo me chamou: “Beto!”. Eu olhei para trás, era Vanessa.
Vanessa era a menina que todas as meninas queriam ser. Tinha seios grandes, cabelos bem pretos, olhos azuis. Intermináveis eram as lendas sobre os caminhos que a mão de cada moleque tinha conseguido desbravar naquele mapa do sexo feminino. Era puro desejo e quase nenhuma massa encefálica. Vanessa, território permitido.
Ela passou a mão nos meus cabelos e me disse que havia percebido a minha tristeza e sabia da história com a Juliana. Era como se o sinal verde se acendesse. Quem disse que eu não sabia ser homem? Enfiei a língua na boca de Vanessa, com fúria e medo. Eu precisava ser um homem e Juliana precisava saber.
Mas quando soube, o sorriso pesado da Juliana verteu em lágrimas. Foi sua irmã que me contou. Fui tomado por uma tristeza sem fim. E a mochila pesou muito mais nas costas. Na tentativa de ser um homem, eu havia tirado zero e continuava no estágio de menino. Juliana e as flores da primavera do seu prédio murcharam em mim.
O seu mundo já parou? Alguma vez assim, pareceu que parou?
O corredor do colégio ainda era o mesmo. Trinta e oito anos depois era o mesmo. Os ladrilhos laranja só estavam muito desgastados. Eu olho no final do corredor e lá esta ele. Já não era mais uma menino e estava entregue aos suplícios da puberdade. Meu filho. Um rapaz. Um beijo lascivo e o mesmo corredor.
Havia um orgulho congênito em tudo aquilo. Eu não havia transmitido nenhum cromossomo de timidez e isso me era um alívio, embora, como pai eu jamais iria admitir isso. E não admitindo, também fazia vistas grossas, esperando o momento para buscar meu filho, sem que ele soubesse o que eu então presenciava.
Eu nunca mais soube da Juliana. Seu nome depois, por muito tempo, passeou em meus lábios, como uma gilete em que tudo sangra. É assim que se aprende a fazer a barba.
Nenhuma mulher me ensinou a ser tão homem. E quando olhei o corredor, lembrei das primaveras, de seus pequenos peitos fazendo força para aparecerem e  todo o desejo que senti. Ali, naquele corredor o mundo parou. Assim, daquela vez, parece que para sempre, parou.
 

Helga Lutzoff Bevilacqua, nasceu em 1982, no interior paulista, em Sorocaba. Foi batizada com nome de pseudônimo, mas gostava tanto de histórias, que acabou tendo uma vida de personagem. Agarrou-se na primeira pessoa, para viver na terceira. Do singular. Fez direito para errar na vida e quando se deu conta de que a borracha havia acabado, tornou-se um projeto de escritora e passou algumas madrugadas arquitetando tudo em um blog, o “sobrenomeprojeto”. Em 2010 escreveu a performance “Delas”. Em 2011 tornou-se colaboradora da revista virtual Mundo Mundano. Em 2013, publicou pela Editora Patuá, @m@r, seu primeiro trabalho.

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