o sol desformoseou-se no horizonte sob a chuva pálida numa tarde de inverno.
o semblante do céu captava a vidinha reles de cada ser humano envolto em suas roupas e ares atmosféricos.
os intestinos do centro da terra digeriam lavas vulcânicas efervescentes sob o asfalto liso e bem comportado das grandes cidades.
homens, mulheres e animais seguiam fielmente o roteiro colorido e sonorizado de um mundo de papais e mamães; as crianças brincavam.
televisões, celulares, notebooks, smartfones, batedeiras elétricas e vibradores faziam a alegria triste dos encarcerados em si mesmo.
quando a luz apagou, peixes nadavam no mar, pássaros batiam asas, baratas e moscas rodeavam as fezes dos homens, das mulheres, dos animais e das crianças.
ao pé da cama, as lâmpadas pairavam sem luz, computadores calavam travados, livros sem o conteúdo do olhar ensebavam nas prateleiras.
não havia roupas nos armários, as torneiras, bocas e bucetas estavam secas. paus, caules e caralhos broxavam ao sabor do vento sob um sol laranja, meia bomba.
saí nu pelas ruas, todos estavam nus também, tudo estava virado, automóveis buzinavam sozinhos, parados sem combustível.
faces cabisbaixas não olhavam nos olhos de ninguém, mas os cães erguiam as cabeças sem latir, buscando afagos, e os gatos consumiam sua preguiça estirados nas calçadas.
tentei configurar o eixo terrestre com algum poema leve, mas só brotavam feridas na primeira pessoa do singular.
na pasmaceira do ofuscamento, levantei os olhos e cuspi à minha frente pra dar liga ao passo adiante.
caminhei, dobrei a reta, retive a dobra, senti na pele, pulei a cerca, bolei um lance, lancei a bola, cobri a morte, matei a cobra, pensei na vida, vivi no poço, calei a boca, raspei o calo.
estacionei entre istos e aquilos, masturbei o pensamento e expulsei vigorosamente um instante glorioso.
o tato sequer chegava perto,
áspero deslizava no avesso do verso,
o reverso do dia criava limo.
áspero deslizava no avesso do verso,
o reverso do dia criava limo.
minha língua míngua linha.
