Ilustração:René Magritte
DA SAUDADE
“Cada pessoa carrega consigo uma gota de tempo”
I
Gostava de vendavais,
mesmo sabendo ser um sopro
A vida
II
Gostava também dos homens
e suas flâmulas violáceas.
Pétalas na lapela
e morangos nas manhãs nubladas
III
Quando muito alcançava um gozo-lâmina,
tocava raios entumecidos de sonho
e adormecia rezando a garoa
IV
Na atmosfera espúria e leitosa,
ao timbre dos dias,
ria a dança dos pássaros
pelos quintais do outono.
V
Medo não tinha,
quando muito um soluço,
um olhar de desuso
às coisas do abismo.
VI
Na fúria da vida,
rangia os dentes do tempo.
E a ferida, qual folha seca,
voava do galho
pra dentro do corpo...
em silêncio.
DO DESEJO
um olhar
um segredo
medo dos temporais
dos boçais
que só dizem o óbvio!
Eu quero a água
do mar
e, se possível,
um amor...
na noite de lua
cheia.
antes que seja tarde
e esse castelo de areia
me guarde
no fundo,
bem fundo
de mim.
ESCOLA MUNICIPAL JOÃO DOMINGUES SAMPAIO
José Paulo era o mais inteligente
Vivia mostrando os dentes pra galera do fundão
Vivia sempre contente exibindo a média 9
E a galera do fundão só pensava em jogar bola
e azucrinar a Filomena
José Paulo, ao contrário, não corria no intervalo, não furava a fila do lanche, não passava a mão nas meninas, não cabulava uma aula, não pulava o muro escondido e nem punheta batia...
E a galera do fundão
só pensava em figurinha
Beijo/abraço/aperto de mão
José Paulo queria ser diplomata...
Sonhava em usar gravata e
Sabia quase de cor a lição de O .S .P .B.
E a galera do fundão
Levava a vida na flauta...
A infância jorrava dos olhos.
Ninguém nem imaginava que o sonho estava alí -
Muito mais envolvente que a fábula de La Fontaine.
DANÇANDO NO ESCURO
Não pense você que a doce anarquia que
habita meu labirinto
é o universo sucinto de toda loucura.
A criatura que sobrevoa a cidade, engolindo
Fumaça, sou eu...
Sou eu quem agonizo na volta pra casa e
congela o sangue para o dia seguinte.
Sou eu o ouvinte do rádio pela madrugada
e o grito dos corpos incinerados pela
calçada...
Não!
Não pense você que essa ausência de
riso é puro improviso de cena
“Se a alma fosse pequena”, o sono seria leve -,
um breve passeio nos arredores do tempo.
Esse simples lamento,
não pense você que é
o conjunto de toda tristeza.
A natureza se explica,
quando sente a si mesma
e a lesma passeia nos livros que não foram
lidos,
mas já esquecidos pela humanidade.
Não pense que é papo cabeça
ou filosofia barata,
não há milênio que traga novos conceitos
numa objetiva
e a essência da vida, em
retrospectiva,
anuncia o futuro:
dançando no escuro
da minha
saudade.
SONOLÊNCIA
Guerra aqui, guerra lá...
quando o planeta
mergulhar na barriga do abismo
eu vou, lentamente expor os gravetos
ao sol
fazer um chá de achincalhe
fritar um ovo no eclipse
provar o apocalipse
e não me esquecer de deitar com o controle remoto.
Só pra apagar as estrelas
Nome:Edmilson Felipe
Ordem: Primata
Família: Homínidas
Gênero: Homo
Espécie: Sapiens-Demens
Antropólogo, nasceu em São Paulo e desde a infância aconchega o mundo das ideias sobre a olha branca, criando códigos que iluminam a fratura exposta no ato da criação. Obras publicadas: O Susto do Sapiens: Ensaios Antropoéticos (Ed. Ciência do Acidente 1ª. ed. (2.000) e Ed. Patuá 2ª. ed.(2014) ); Antes o Medo (Selecta Editoria - 2005l) Dias de Rock and Roll (romance - ed. Patuá - 2012).