Ilustração: Francinaldo Brandão
fubeca
queria
um presente
qualquer dia
um olho
inerte e alheio
vidro
que nem vê
e nem sente
que fixo despresencia
a depredação do tempo
egoísmo
encher um pote com esses olhinhos
concha
memória ganhada em um presente de Bárbara Manaia
caixa
lar
abrigo
lugar
pensa em levar
hesita
acha injusto pegar
casa
de bichinho
ali daqui
deixada na areia
parece uma orelha
essa que é
pra quem sabe
telefoninho
de ouvir voz de mar
pichação para muro de lamentações
lamentação
em oração
prostrar se
diante daquilo que quer se
e não pode ter se
lamentável
ter muros por todos os lados
coleção outono inverno
alta costura descosendo vidas
desfila pontos que não são pra nós
aqui embaixo
só gentes miúdas
costurando trapos às escondidas
a cada seis de janeiro
para Nathaly Hanemann
tento desenhar um lugar
aquele de estrelas pra vidas inteiras
aquele da inconstante finitude do sempre
nem sei desenhar mas tento
não bastasse esse não saber
há essa tinta que me escorre
da caneta como memória
como puxada das entranhas
e algumas lembranças
a gente não consegue segurar sem tremer a mão
aí me sai esse pouco
talvez segundos talvez mundos
de existência mais viva
nesse lugar esboçado nesse desenho
nesse canto
tremido
quão ruim é não saber desenhar
daí a gente fica assim
contemplando lugares inexistentes
e neles a salvo
da miséria que é só existir
a cada seis de janeiro
Ricardo Escudeironasceu em Santo André-SP, em 1984, onde vive. É autor do livro de poemas tempo espaço re tratos (Editora Patuá, 2014). Graduado em Letras na USP e ensaia já há algum tempo um mestrado em literatura portuguesa, acerca da obra de Saramago. Leciona e aprende no ensino fundamental II e no ensino médio. Em 2013 juntou-se ao Coletivo Tantas Letras, de São Bernardo do Campo, onde publica poemas no Zine Lapada Poética.