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"nunca se furte de chorar o lindo roxo"

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DIA DOS NAMORADOS

ninguém cabe neste coração sujo
neste pântano de peixes disformes
na alcova de putas tortas

este coração /lacrado/ tem seus caprichos
e só desfigura as loucuras que o excitam
só vomita nos pés que o pisam

ele tira nacos de empáfia
pelos olhos que perfura
e arranca os membros e a língua que o fuzilam

ele quebra os dedos leves que o afagam
e /também/ escarra na vil boca que o beija
e espanca – até a morte – vãs palavras de carinho

ele amamenta suas crias com arsênio e vodka
e alimenta velhinhos com os restos do indizível
e desenterra cadáveres para beija-los na boca

hoje

este coração trouxe seu buquê
de fetos mortos para lembra-la
de uma vez /e sempre/
que um dia o demônio a fez cuspir um filho
prematuro pela goela da vulva

o mini jardim de sementes podres
em minhas mãos sugerem
que você nunca apague
as chicotadas presas /um dia/
em seu dedo esquerdo

nunca se furte de chorar o lindo roxo
em seus olhos, permutados por facadas
em seu crânio inundado
de silicone e pólvora

ninguém cabe neste coração sujo
ninguém mora neste esgoto escuro
ninguém bate nesta porta /um rombo/



FILHOS DE DIRCE

no dia em que dirce deitou-se
com a besta,
choveram defuntos morados
no céu

o diabo marcou no
corpo a luxúria
e dirce adormeceu

no último dia de chuva
as árvores choraram
vermes



E3 4BP

para Daniel Solimene

Olhe em volta esses fantasmas
que pingam do teto
que saem pela torneira
que dedilham seus instrumentos
que corroem seu sono
que minam seu lar

Esses fantasmas ressurgem
do cemitério ao lado,
dos cascalhos que guiaram os passos
na noite

Esses fantasmas esquálidos
falsificam nossas dignidades
desafiam sanidades
E parecem rir por baixo da ponte

O que de verdade há nisso
é que esses fantasmas só enaltecem
aquilo que o dia não nega
aquilo que a luta não cala
e aquilo a História legitima

Debaixo de cada teto invadido
mora um lar feito de suor e música
moram notas dissonantes
sons e imagens que exorcizam

E o sono não se cala / não deve se calar /
Por espectros ruidosos
de fúria
inveja e retaliação

A música é a retaliação
dos medíocres
A música e
somente ela



Intra-histeria

Fica contida em sua goela gorda
E fétida esta histeria que nunca
Nem mesmo após tantos canudos
Consegue gritar

Intra- histeria esta que o faz
Pensar na genialidade rota
Mal ajambrada, mal engendrada
/engana alguns com ela/
Que gostaria de ter, mas
A ressequida casca por sobre a
Carne rotunda
Já não comporta mais

Intra-histeria
É dura a noite escura
Quando se recolhe em si
E nenhum som sequer lhe sussurra
E então aí está o verdadeiro espelho
De si: você
E não há como não ver e encarar
/a fórceps força/
Aquilo que almeja ser
Que o tempo roeu
Que a ignorância mascarou
E que nunca veio a ser


MR. HYDE

Que dom supremo guardo
este – que habita o sempre – de me
(re) (bi) (retro) destruir

Etílicoito vociferado
angústia tapas sexo sorvendo
chicotes maníacos

implosão em tua ausência
presente / reticência
morte a cada trinta segundos

Todo perdão que baste
não basta – nem sempre
solidão

Dor na cova da vigília
espelho reflexo do avesso
eu de carne e osso inverso

eco eco e eco
ingênuo autógrafo de ontem
Viveiro de memortes

Aniquiladrões de covas frescas
eu – playing myself – tosco e fosco
renúncia vã gota a gota

E a vida segue degenerada no embuste que vivi para ver.
*palavra: Donny Correia
*imagem: Agnostino Arrivabene
*seleção: Adriana Zapparoli


Donny Correia, poeta e cineasta, é formado em Letras – tradutor e intérprete pelo Centro Universitário Ibero-Americano (Unibero) e mestrando em Estética e História da Arte pela USP. Realizou os curtas experimentais Anatomy of decay, Brainerasere Totem, este selecionado para a 34ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo e Prêmio Canal Brasil. Publicou os livros de poesia O eco do espelho(2005), Balletmanco(2009) e Corpocárcere(2013). É gerente de programação da Casa Guilherme de Almeida.





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