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Cinco contos de amor, sexo & sacanagem, por Furio Lonza**

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Serial killer

     Espreitou-a durante meses. Sabia seus passos de cor: da casa para o trabalho, do trabalho pra casa; deu um jeito de grampear seu telefone, gravou sua vozem fita, fotografou-a na rua, nas praças, no calçadão. Alugou um apartamento no prédio em frente e filmou seus movimentos com uma câmera super moderna e montou um painel enorme na parede da sala com flagrantes íntimos. Ficava horas parado, enternecido, só olhando, admirando. Uma noite em que chovia muito, ele não aguentou: desceu, atravessou a rua, burlou a vigilância do porteiro, subiu ao seu andar, meteu uma chave mestra na fechadura e entrou. Ela estava parada, calada, de costas, vendo TV. Virou-se para ele e ambos se olharam. Num movimento instintivo e maternal, a velha desceu a alça de seu vestido e colocou um seio para fora. Ele aninhou-se em seu regaço como um gatinho e começou a mamar, matando a fome de amor acumulada em trinta anos de abandono.


Virtude

     Era um amor bandido como tantos outros, que nasceu, cresceu e maturou na clandestinidade, existia apenas na mente doentia daquele rapaz bronco. Quando estava estuprando a freira, gritava seu nome dentro do próprio peito: Maria, Maria. Ela resistiu enquanto pôde, mas, ao ouvir os sinos da igreja que bimbalhavam na torre, gozou. Ato contínuo, esfaqueou-se no peito, rasgando o seio de lado a lado.


Correspondência

     Quando Iolanda era ainda adolescente, se apaixonou por um colega de classe muito tímido. Como ela também era bastante reservada, escreveu o nome do amado numa folha de papel, que botou num envelope e escondeu no sótão de sua casa. Não queria que ninguém soubesse de seus sentimentos, nem mesmo ele.
     Trinta anos se passaram naquela velha região de montanhas e muita coisa aconteceu desde então. E Iolanda me contou que, dias atrás, procurando uma casa para alugar, encontrou um sobrado ideal, que foi analisando cômodo por cômodo, até resolver ficar com ele. Na gaveta de uma velha e empoeirada penteadeira, com certeza deixada para trás pelo antigo morador, ela achou um envelope, que abriu e reconheceu a letra instantaneamente. Trinta anos antes, ele tinha feito o mesmo.
      Mas amava outra.


Lembranças do futuro

     Num jogo contra o Uruguai, Pelé recebeu um passe estupendo do meio-campo, não tocou na bola, fez um corta luz maroto, enganando o goleiro, que o acompanhou, enquanto a bola foi em direção ao gol. Mas não entrou, saiu pela linha de fundo. Foi o mais lindo gol que Pelé não fez. A foda mais bestial que eu dei na minha vida também foi assim: não houve penetração. Eu por baixo, de costas, a mulher por cima, também de costas. Fazíamos uma cruz perfeita, ela empinando-se no colchão como uma cadeira de praia: com os braços esticados para baixo no apoio e, do outro lado, pelas pernas arqueadas. Eu a masturbava com a mão direita e a esquerda passeava pelas suas costas e cabelos. Enquanto meus dedos trabalhavam incessantemente dentro dela, seu corpo ondulava para cima e para baixo, a bunda roçando de leve meu pau duro a intervalos regulares. Essa eternidade terminou num duplo gozo. Foi uma espécie de premonição: o mundo do sexo que estava por vir seria assim: separado, individual, lancinante, apertado.


Incompatibilidade

     O julgamento foi relâmpago, não durou mais que três minutos, tempo suficiente para o juiz comparar as dimensões da vítima e do acusado. Ela era um mulherão, quase um metro e noventa de altura, ombros largos, pernas grossas e bíceps avantajados. A seu modo, era bonita; a seu modo, gostosa. O homem era pequeno, anêmico, minguado, não passava de um metro e meio, pernas e braços quase raquíticos, o diâmetro dos pulsos não chegava a uma polegada cada. O resto, os jurados puderam deduzir facilmente. Foi absolvido por unanimidade. Anatomicamente inviável, a acusação de estupro.




** Furio Lonzanasceu em Trieste, Itália, em 1953. No Brasil desde 1958, morou em São Paulo por quase quarenta anos e foi viver no Rio de Janeiro desde meados dos anos 90. Estudou jornalismo e fez sua estreia na literatura em 1977, com os "Contos de esquina". Seguiram-se treze outros livros, incluindo "O que Molly Bloom esqueceu de contar" (1987), "As mil taturanas douradas" (1994), "O que é isso, maconheiro?" (1998), "Eric com o pé na estrada" (2002), "História impossível" (2007) e "Sturm und Drang" (2010). Como jornalista, colaborou em diversas publicações e foi editor da lendária revista "Chiclete com Banana", ao lado de Angeli e Toninho Mendes. Mais recentemente, escreveu uma série de peças de teatro, entre elas "Patagônia", "O Traficante" e "Jantando com Isabel". Em 2011, foi lançado pela Editora 34 seu romance "Crossroads".

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