APARIÇÕES
… E foi em certa noite desolada,
Quando a paz vai ulular outra estrada,
Que mais do que o teu vulto observei...
Não era o mundo, as regiões do ouro,
Que me pulsavam em sorvedouro...
Talvez... talvez vi o que jamais saberei.
Como em uma amorosa ilusão,
Senti súcubo pegando-me pela mão...
E tudo era dor, vertiginosamente
Rodopiando em torno a mim mesmo...
A felicidade passava a esmo,
Sombra de minha sombra, cegamente.
E os livros, dispersos na estante,
Pulsavam, como lúbrica bacante,
Os seus próprios abismos no mundo...
E além, marchando atrás da janela,
A vagarosa, incessante caravela
Do meu derradeiro segundo...
A lua cantava canções funéreas
Para o seu poente... e as etéreas,
As estrelas, os portais do infinito,
Somente essas brilhavam, sonhando
Sob o longo lamento brando
Do mais remoto sonho desdito.
E o sol... o sol na claridade inferna
Queimou-me o olhar nessa noite eterna...
Desta terra o primeiro verso
Rebentou em meus perturbados ouvidos.
Aguçava-me todos os sentidos
A harmonia inicial do universo.
E tudo, como em um pesadelo,
Dormiu sob o auroral selo,
Como a mais serena noite comum...
Mas, fantasma de mim mesmo, sei, trago
Esse eterno lamentar aziago
Da universal transfiguração ao Um!
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Pela tarde que morria encantada,
Como as doces canções que têm um fim,
Cantava o aroma da flor exaltada
Quando cantávamos, outrora, assim,
Nessa alegria em que nada, nada,
Se difere de um grandioso jardim...
Pela tarde que morria encantada,
Como tudo lembrava, carmesim,
O sol de nossas vidas que se vai,
Lentamente, delido, como um ai
Que pela vastidão se degrada...
Mas como pareceu-me bela assim
A piedade das coisas que têm fim,
Pela tarde que morria encantada...