“We accept her, one of us”
Quando criança elaera ele.
Ele, portanto, gordinho e com bochechas rosadas, tinha pânico de anões. Não podia vê-los e sequer alguém estava autorizado a pronunciar fatídicas sílabas: a-nões. Embrulhava-lhe o estomago e ele era atacado pelo que, já quando ela, chamava de alien (ser estranho que morava em sua barriga e resolvia se manifestar diante do primeiro sinal de angustia). Aos poucos ele percebeu que além da mortífera agonia sentida pelo descompasso do intruso, o alientambém dançava. Demorou para que eledesfrutasse de seu ritmo e permitisse o convite à dança. Tarde, mas nem tanto, a influência pôde ainda vir cedo. Veio enquanto o autorizado para os meninos da época era a dança de rua. Foi quando ele iniciou sua coleção de machucados. Começou com pequenos roxos e terminou com um cóccix quebrado. Já quando ela, a situação se agravou. Com frequência achavam que ela havia caído quando em verdade jogava-se abaixo de livre e espontânea vontade. Já esteve no palco com um costela quebrada. Nada que não melhorasse com um derivado de morfina e lhe apresentasse as artificialidades deliciosas da vida comum. Ela, já adolescente e não mais gordinha (afinal, tal adjetivo só lhe foi autorizado na fase masculina e agora ela insiste que seu numero de calça -36- deve funcionar com a mesma cristalização que um número de sorte) significou, como pôde, a antiga fobia que vinha disfarçada pelo avesso. Tal qual um anão é um adulto pequeno, um adulto pode ser uma criança grande. O alien, que permanecia no mesmo lugar mesmo após a troca de sexo, migrou sua impaciência para qualquer referência a tal infantilismo. Adultos falando com voz de criança era o ápice do desespero. Era quase vital que o alienígena saísse pela boca enrolado num vômito sob a melodia de conversas fiadas na voz fina. Foi então quando o quadro piorou e seu intruso procriou. Percebeu que havia pessoas que mexiam suas devidas bocas numa espécie de ecolalia antecipada tentando, ao máximo, mimetizar as palavras que pronunciava. Um grupo inocente de ladrões a céu aberto que estavam fadados a repetir palavras sem som. Tomada por uma piedade compartilhada aliviou-se quando estudou o conceito-chique-lacaniano de lalangue . Que lhe roubem, então, as palavras, mas, nunca, nunca, sua entonação!