1.
A noite gira em tono
da borboleta
que azul tonteia
na escuridão eterna.
Etérea estende as asas
e estremece em meias
voltas. Em torno,
uma lâmpada oferece
algum consolo insone
no círculo imperfeito
sobre as perfeitas pedras
da rua antiga. Tudo
é imortal nas velhas
cidades, até mesmo
as borboletas efêmeras
e azuis que se aquecem
no dia, esquecidas
de que a noite será
longa, muito longa.
2.
Um bêbado gira
em torno do poste
que infinitamente
carrega a lâmpada,
inerte, mas farol
de náufragos em terra.
No mar das pedras
e casarios, indica
o caminho do porto,
intriga a janela velha
que retorna ao escuro
sono dos insones
objetos. Frinchas
de luz não mais
concorrem com as hostes
da noite do todo
e para sempre.
3.
A mariposa agora:
esvoaça cega
diante da luz
inesperada que a retira
de seu canto morno.
Como encanto,
também gira
na lâmpada única
da rua poeirenta.
Azul e cinza
combatem insanamente
para alcançar o centro
de um desejo cego.
4.
O dia certamente
não virá, porque
o sol, em seu giro
torpe, desta vez
não fará retornar
a luz. Nas velhas
taipas o silêncio
e as sombras são
e sempre serão
absolutamente
eternas.
Derramam-se sobre
as paredes incertas
evocando velhos
fantasmas em seus
uivos de dor e lamentos
de saudade. Não há
paz de um fim de dia,
apenas a escorregadia
ladeira pela qual
deslizam almas
penadas.
5.
Giram também elas
em torno da lâmpada
fria, esperando a luz
final que certamente,
eternamente, não virá.
Nos anseios insones
ainda esperam uma vida
que também não virá.
Ecoam chibatas
em seus ouvidos
mortos,
mas ainda capazes
de sentir na pele desfeita
a dor que a morte
não esconde, não acaba,
não mata. Apenas arrefece
diante da luz que agora
reúne todas as criaturas
que o dia não quis.
6.
Giram todos, gira a rua,
num tontear de almas
tristes, que jamais
alcançaram a tênue
luz. Algumas, as vivas,
aos poucos se acabam
e escorrem sobre o chão
duro enladeirado. Na
noite da morte
insone
apenas a pequena
borboleta azul convive
com os mortos ainda.
Para mostrar, talvez,
a utopia da cor,
para aplacar a dor
dos mortos que se
abrigam
em cada beco da cidade
morta-viva, e sempre.
7.
Agora, porém,
gira devagar em cansaço
extremo, in extremis
Pede o retorno do sol.
nada se vê, apenas
a casario escuro e sempre
apenas sugerido tênue
pela pequena luz
que permanece acesa.
por fim, fecha as asas
e deixa sós e cansados
os fanados fantasmas
eternos de uma cidade
que pensa ainda viver
em sua morte
eterna.
8.
Sós, sobre a pedra,
duas asas-pétalas
azuis vão perdendo a cor,
enquanto os vivos
acordam, certos ainda
que estão vivos
e que um sol pálido
nasce frágil no horizonte.
Engano, as asas voltam
ao pó, consciente do fim.
Inconsciente, o povo
percorre as ladeiras
sedentos de uma vida
que jamais tiveram.
Apenas giram, giram
em seu giro eterno,
em torno da última
lâmpada existente
na cidade morta.
Leopoldo Comitti