Paradoxical Silence by Filomena~Famulok
OBSCENOS GESTOS AVULSOS
Inútil tentar conter esses teus gestos
– os homens olham a verdade
com lunetas de mentira
(apetrechos da primeira infância)
Os animais ao longe se agitam
à imagem do seu corpo
em queda
mãos erguidas
sublimando o momento
do abate
Eis que te devoram
sem pressa
presa
teu corpo em choque
bailando
numa coreografia maravilhosa
enquanto
teu olho
objeto avulso
passeia
sem lume
pela planície
do
nada.
balada para Auguste
Desconheço a medida das coisas
– se é que as coisas podem ser
Do ponto
onde me encontro
até onde os olhos podem ver
diviso
sob a tutela da ordem
(essa benção!)
a marcha fúnebre dos corpos
cansados
que com seus trejeitos estranhos
de gado a serviço do pasto
– da pátria
inauguraram a treva
em nós
E com suas vozes
sem boca
que anunciam planos ótimos
para se comprar esperança
à prazo
– em vinte vidas sem juros
perpetuam
ao longo dos tempos
o bordão
karmicômico
do progresso
que virá
em breve
virá
você está preparado?
II
Quem melhor algoz entre nós?
quem foi que impôs
ao homem
A bandeira
A espada
A despesa
a disputa
da palma
do lixo
com o bicho
da palma rude e crua
que bate na criança
que cheira-bebe
cola na rua
– sem escola pra desaprender
e
expõe no sinal
– assassina
A pobre cria raquítica
que fuma-come pedra com política
(e à justiça paralitica)
Restam olhos para ver?
sibilibido
A língua
silaba por si
laba
se
lambe
Os lábios mordendo
os grandes
lábios
mordendo o falo
(e vai)
morrendo
a fala
si-la-ba
por si
morrendo
à míngua
(ea língua)
lambendo o
mel da
sibila
a libido
(essa fada)
que silaba
por si só
escorre na vala
da ferida
fingida
em flor (ai!)
e se cala
afrodite biodegradável
Acordei
era tarde já
O mundo lá fora
ardia
perdido em meio
a algazarra
de pássaros elétricos cagando
sobre a cidade insone
– com fome
Sirenes
de ambulâncias
vendedores
de coisas que ninguém
mais usa:
naftalina
vitrola
amor
Esse troço
em liquidação
escorria solto
pela calçada
em meio ao resto
dos homens
que se acumulava
nos bares
nos lares
E entre garrafas
desejos
seringas
uma coisa
sem nome
sem pai
sem pátria
se movia ainda
Insolente criatura
descartada assim
no lugar errado
não era papel
nem plástico
vidro
– ainda se movia –
metal não era.
siameses
Amaram-se tão ardentemente
que suas entranhas
outrora partes estranhas
de seres diferentes
tornaram-se partes iguais
pertencentes ao mesmo ente
comtempo
Raspando
a fina casca
do
contemporâneo
compoucotempo
chega-se à
cloaca
onde
descansa
inerte
a aptidão
Poemas de Obscenos Gestos Avulsos (Patuá, 2014).
Zamt, autor de Obscenos Gestos Avulsos (Editora Patuá, 2014), nasceu em Minas Gerais no ano de 1984. De lá pra cá muita coisa foi escrita – e, sobretudo reescrita. Não tem especialização em literatura nenhuma e nem bacharelado em nada. Mas em compensação, foi aluno de um dos grandes mestres do saber poético-universal: Seu Nonato. Avô, velho matuto e analfabeto exemplar que tece uma prosa como ninguém e já plantou (sozinho) em seu quintal muitos pés de eternidades – e disso nunca se gabou, pois que não vê razão em ser reles. Zamt atualmente vive em São Paulo, mas pra tudo tem jeito.