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6 poemas de Glaysson Zamt

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Paradoxical Silence by Filomena~Famulok



OBSCENOS GESTOS AVULSOS


Inútil tentar conter esses teus gestos
– os homens olham a verdade
            com lunetas de mentira
            (apetrechos da primeira infância)
Os animais ao longe se agitam
à imagem do seu corpo
em queda
mãos erguidas
sublimando o momento
do abate
Eis que te devoram
sem pressa
presa
teu corpo em choque
bailando
numa coreografia maravilhosa
enquanto
teu olho
objeto avulso
passeia
sem lume
pela planície
do
nada.


balada para Auguste
  
 
Desconheço a medida das coisas
         – se é que as coisas podem ser
Do ponto
onde me encontro
até onde os olhos podem ver
diviso
sob a tutela da ordem
         (essa benção!)
a marcha fúnebre dos corpos
cansados
que com seus trejeitos estranhos
        de gado a serviço do pasto
            – da pátria
inauguraram a treva
em nós
E com suas vozes
sem boca
que anunciam planos ótimos
para se comprar esperança
à prazo
– em vinte vidas sem juros
 perpetuam  
ao longo dos tempos
o bordão
karmicômico
do progresso
que virá
em breve
virá
       você está preparado?    

II

Quem melhor algoz entre nós?
quem foi que impôs
ao homem
        A bandeira
        A espada
        A despesa
a disputa
da palma
do lixo
com o bicho
        da palma rude e crua
que bate na criança
que cheira-bebe
cola na rua
– sem escola pra desaprender
e
expõe no sinal
            – assassina
A pobre cria raquítica
que fuma-come pedra com política
(e à justiça paralitica)
        Restam olhos para ver?       



sibilibido


A língua
silaba por si
               laba
               se
               lambe
Os lábios mordendo
               os grandes
lábios
mordendo o falo
(e vai)
morrendo
a fala
si-la-ba
               por si
morrendo
               à míngua
(ea língua)
lambendo o
mel da
               sibila
a              libido
(essa fada)
que          silaba
por si só
escorre na vala      
da ferida
fingida
em flor                   (ai!)
               e se cala



afrodite biodegradável


Acordei
era tarde já
O mundo lá fora
ardia
perdido em meio
a algazarra
de pássaros elétricos cagando
sobre a cidade insone
– com fome

Sirenes
de ambulâncias
vendedores
de coisas que ninguém
mais usa:
naftalina
            vitrola
            amor

Esse troço
em liquidação
escorria solto
pela calçada
em meio ao resto
dos homens
que se acumulava
            nos bares
            nos lares
E entre garrafas
            desejos           
            seringas
uma coisa
sem nome
            sem pai
            sem pátria
se movia ainda
Insolente criatura
descartada assim
            no lugar errado
não era papel
nem plástico
vidro
– ainda se movia –
            metal não era.



siameses


Amaram-se tão ardentemente
que suas entranhas
outrora partes estranhas
de seres diferentes
tornaram-se partes iguais
pertencentes ao mesmo ente



comtempo

  
Raspando
a fina casca
do
contemporâneo
compoucotempo
chega-se à
cloaca
onde
descansa
inerte
a aptidão


Poemas de Obscenos Gestos Avulsos (Patuá,  2014).




Zamt, autor de Obscenos Gestos Avulsos (Editora Patuá, 2014), nasceu em Minas Gerais no ano de 1984. De lá pra cá muita coisa foi escrita – e, sobretudo reescrita. Não tem especialização em literatura nenhuma e nem bacharelado em nada. Mas em compensação, foi aluno de um dos grandes mestres do saber poético-universal: Seu Nonato. Avô, velho matuto e analfabeto exemplar que tece uma prosa como ninguém e já plantou (sozinho) em seu quintal muitos pés de eternidades – e disso nunca se gabou, pois que não vê razão em ser reles.  Zamt atualmente vive em São Paulo, mas pra tudo tem jeito.

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