Ima(r)gem 1
Sou rio caudaloso
Multidão vermelha
Espreguiçando-se na navalha
Explorando o desejo encardido e medieval
Languidamente tenho as direções possíveis
E o controle da carne em minha fronteira
Percebo nitidamente o fluxo da vontade
Desde a eletricidade gerada até a cerca que a protege
Desde o disparate e a loucura desenfreada até o arreio turvo
Que, em muitos casos, só é plateia
E, em outros, é muro.
Sou vertical
Encorajo o sul motor feito de tempo e coleira
E persigo o norte em suas conexões de luz e de precipício.
Sou dente e flanco ao mesmo tempo
anoiteço a cada mordida
e a cada capa que me cobre de línguas.
Ima(r)gem 2
Somos ninho e espinho
convidamos o corvo sorridente ao jantar
e expulsamos o dia sem medir o sol.
Somos gêmeas separadas por umidade, florada e perfume.
Pontuamos o início das inundações
e o término de cada janela Aleph compartilhada
no céu das camas e dos olhos.
Muitas vezes sentimos falta de toques certeiros e cuidadosos,
muitos passam ao lado,
acham que só os entremeios merecem languidez ou aço.
Enganam-se.
Margens são propriedades sensíveis
e podem arrastar ou afogar em um mesmo gole de tormenta
qualquer desejo e qualquer praia.
Nutrimos secretamente a vontade irresistível
de ser boca a engolir nossa cria,
e de fazermos parte das águas e das curvas
que levam pra dentro a sinfonia e a algazarra.
Fotos: arte com sangue de Jordan Eagles
* * *
Márcio Leitãoé professor de Linguística, pesquisador em Psicolinguística (UFPB); tenta entender os processos mentais relacionados à linguagem. Poeta e escritor de livros infantis, escreve pra poder imaginar como é ter liberdade, respirar sem amarras. Escreve também pra se divertir com as palavras e com o que pode construir com elas. Publica todo sábado na zona da palavra.