Ilustração: Giorgio de Chirico
TORTURAS
Monossilábicas frasesaproximam-se por
entre as nuvens nesses dias de faíscas
foscas fosforescentes
entrementes
silêncio aquietado
nesta estrada simplificada de dias
decorridos inteiriços sem rasuras ou
estrelas que se apagam
afinam afunilam na madrugada
evito-as, insone, gargarejo quando
lembro maviosas torturas
nessas horas que não se encaixam.
ENTREGA
ciente do invisível
espectadora do possível
sem trégua e lástima
o timo e o rumo ao léu
as sentenças são chaves azuis
espumadas à 1ª luz do dia
alvo e frio escorrido da noite
de ventosas e neblina
estrelas se entreolham
e novamente silenciam esses
acordos do solo que se fazem
em blocos sem sedimentos
movimentos esparsos e caros
lentos ou perfurados
em suas conchas
iniciou-se no milagre
avança-se a esmo e bagre
rezas são ofensas à meia voz
entrecortadas de suspiros
e música entre dois goles
quase impuros do néctar
dos sábios alfarrábios
alfabetos discretos
discrepantes e ondulantes
na nau dos tempos
contratempos em teus sonhos
avançamos cá e lá na surdina
da entrega esfrega esfrega
esfrega esfrega esfrega
entrega......
Ilustração: Giorgio de Chirico
FIO COBRA
Escuto, com parcimônia, o trincar
da tarde na chávena de chá
chuvisco e chuveiro de um
fresco almíscar de passos
escorridos na laje
esmero-me em miúdos trocados
nódoas novenas de perdas promíscuas
passatempo bravio de detalhes
correntes e serpentes do ser
sonsa de soníferos, mal acordo
vomito-me à míngua
minha vida me diverte
pois não lembro
minhas vias
razões e alegrias
e na roca do tempo
refaço o quadro do vento
o fio cobra
cobre de fastio e fausto
um silêncio nadado
por léguas de insistência
verga na alma sisos e séquitos
um desmaio no horizonte
de dunas amarelas
- arejado de luz -
enquanto corpúsculos
de água e sombra
estreitam-se no fim do túnel
corrida do céu
a asa ferida
consciência
conhecimento
compartimento
acomodamento
filosofia de viés
dor e encanto
entoa o cântico
os violinos dançam
ao som dos festejos
- aleluia -
a qualquer momento
a evidência.
JANDIRA ZANCHI
Poemas extraídos de A Janela dos Ventos (Emooby,2012)