[fortuna]
eu me dei um destino
mais vasto que uma vida
mais denso que o silêncio
das árvores noturnas
eu me dei um destino
que não concerne ao meu
deserto árduo e isolado
mas dele nascedouro
eu me dei um destino
que de sangue e de ferro
que de angústia e de vida
vai pulsando nas coisas
eu me dei um destino
de atroz contentamento
de mágoas luminosas
e cruéis lamentações
[peroração]
o mundo
é o golpe que experimento:
há diárias incisões que o suor padece
pois que a obravida:
esta procura incessante de um algo dizer
este ensaio falho de exatamente
esta dor semota nalgumas poucas folhas soltas
esta invenção de poder
está em cada raiz arraigada ao ser:
é um golpe que ultrapassa o muscular
que arde fundo no sofrimento
de uns tantos versos
de uma tanta vida
que não se deixa dizer
[queda]
o beija-flor equivocou-se?
ou foi o vidro que dividiu
a tarde? – foi mais que uma luta
que da sala cinza se viu:
que o beija-flor sendo leve
vezes escapa ao olhar –
mas aquela tarde foi lenta:
a vida despencando no ar –
não houve socorro que prouvesse:
– o vidro dividia a tarde –
como sentir-se preso em si
e não bastasse nenhum alarme –
o beija-flor descansou triste
flutuando num perverso abismo
como o olhar sem saber quando
concluirá o cruel aforismo
Ilustrações: Nastya Ptichek
* * *
Madjer de Souza Pontes nasceu em Pedra Branca, é editor da Revista Pechisbeque e terá seu primeiro livro publicado pela Editora Subsânsia.