O clamor
I
Assopremos as arquejantes rosas
As milagrosas corolas
Que se debruçam com seus caules insones sobre o pálido tremeluzir da fala
Assopremos as palavras dos seus redutos de sono
O fogo puro para o sacro instrumento matinal da escrita
As arcaicas e irrepetíveis vibrações do fogo junto aos periféricos aquedutos da voz
Enredemos as oscilações da voz, as suas
Raízes púrpuras
Os seus luminosos peixes atravessados de mortuário silêncio
Os seus pássaros oxidados, os seus
Inúmeros cobertores de incêndio
II
Quando os dedos escavam lentamente os sintomas ossuários
Da página
As feras vigilantes anoitecem
Com os seus pulsos clamados de lâminas puramente
Arteriais,
São dóceis com as flores arqueadas até à alvura das frontes
São como as mulheres ao redor das mesas
Imóveis e cálidas
Incubadas em suas asas enclausuradas de morte,
As mulheres que sopram a palavra para os seus púlpitos negros
As mulheres que levantam o pó dourado da palavra, que a deslocam
Potencialmente
Sobre as agulhas matinais dos brilhantes lábios
Sobre as líricas e assombrosas mandíbulas
III
As manhãs principiam em suas crisálidas de treva
A luz volteia nas crateras extintas como as mãos que enlutam no sangramento
dos nomes
O outono vibrará entre a seiva estelar dos ombros, com os seus tétricos
Galopes de fuligem ao redor dos ossos plúmbeos
Com as suas rosas enegrecidas que circulam
Cantaremos para o crepúsculo abominável das mãos
IV
Para que se abram lentamente as águas e as transponíveis paredes
Cantaremos os vasos breves
As férteis orquídeas pressagiadas de sono com os teus quartos sufocados
De flores e de nocturnos aparelhos
Cantaremos os fósforos indeléveis dos espéculos
Para que os aquários transbordem em suas artérias de sede
Para que inundem de espuma os fundamentos
Da página
V
Com uma coroa luminosa
Escutamos o cardíaco estremecer dos mortos e dos astros rubros
O recôndito pomo sangrado entre a alvura das têmporas
As gotas do ouro e do deslumbramento
Escutamos um círculo musical com mercúrio nas pedras
Um círculo transparente de rosas inumadas e de inúmeras crianças
Dessas misteriosas e diáfanas áleas desprende-se um perfume
Arcanamente casto
A linguagem límpida e monstruosa das folhas
O sangrento animal em minhas mãos e mandíbulas
A aquática estrela arterial da escrita
Sobre o outono lutuoso das mãos
As folhas estalaram de luto ao redor das esquálidas e indeléveis mãos,
as mãos enregeladas de sintomáticas névoas,
as mãos pressagiadas por uma luz tão límpida onde a noite tecia
as suas anímicas redes,
mãos que eram como orquídeas sem o sangue fosforecente dos caules,
que eram dedos estelares comprimidos sobre a rugosa e transbordante memória
de inúmeras unhas palidamente orvalhadas,
com ossos
longos e duros que puxavam as cordas para a roldana lutuosa das rocas
que dobavam a treva sobre as membranas dos peixes.
As folhas estalariam de luto ao redor dessas diáfanas mãos,
porque eram folhas vigorosas desde o centro mais outonal dos bosques
cardiacamente plúmbeos,
eram folhas, pedras e rosas assopradas na raiz porosa do ouro
nauseabundo,
pedras escarpadas desde o arco translucidado e inavegável dos poços
Recordo
sobre essas mãos esmaecidas as estações cantavam as suas traqueias de cobre,
giratórios equinócios vibravam nos acordes dos dedos,
os quartos musculados de nocturnas abóbadas
cresciam e respiravam nos declives
das copas - os pátios levantavam as fuliginosas maçãs, as esporas corrosivas,
os eléctricos lírios aparelhados de morte,
era a eterna travessia das lúgubres carruagens:
havia mulheres com os aquários secos,
sombras uterinas ao redor das vigílias,
líricas mulheres com os pulsos escamados de solitários astros,
mulheres brilhantemente pálidas junto ao rodar e amanhecer dos negros berços,
eram figuras de sono até ao princípio mais materno das bocas,
com as rosas desabrochadas sobre os dédalos cerebrais, sobre as barrigas diluvianas
e carregadas de escombros
Mas era nessas mãos de mulheres contempladas de pétalas de inauditos assombros,
nessas mãos onde a morte hospedaria as suas clareiras de febre, as suas pálpebras
rugosamente verdes, os seus líquenes tenebrosos
eram essas as mãos que inclinavam as rocas e a respiração oxidada dos pássaros,
mãos até ao silêncio mais aquático das urnas
mãos até ao incêndio regurgitado das casas,
mãos com o luto a fervilhar nas ínfimas artérias das necrófilas borboletas,
mãos
com o outono a embalsamá-las
Tétrico opúsculo amorosoEscutarei a inaudita melancolia dos teus nocturnos pátios
os cabelos naufragados em seus círculos constelares e triunfantes de treva,
as suas copas incendiárias pressagiadas de ouro, os teus pomares chamejados
de sibilantes libélulas
Lembrarei as tuas mãos diurnas nocturnamente castas que encadeavam o movimento
zodiacal das rocas
as tuas mãos plenas de rosas e de intangíveis equilíbrios
as tuas mãos inalteradas sobre os princípios do mundo
Escutar-te-ei
a estremecer desde os antigos recessos da mortuária carne
com um alquímico tubérculo a enredar os venenosos filamentos do coração gélido
com a memória bolorosa dos espumados espéculos que pirogravavam o teu rosto
entre pétalas e giratórios clamores,
os espumados e cardíacos espéculos ensombrados puramente de cadavéricos
pássaros,
ensombrados de nomes rumorosamente crepusculares,
elegíacas nomenclaturas,
espelhos assoprados de máscaras fossilizadas de tantas flores vítreas
até que as clepsidras estalem das suas urnas arenosas e se rebentem pálpebras
no rodar dos séculos.
Pelas manhãs
com a dolorosa paixão a alquebrar os caules
direi que os dias carregam poemas de cinza nas suas órbitas luminosas
direi que os braços alquebraram os ombros para o centro explosivo das fugitivas águas
que os braços conduziram os pulsos para o centro nuclear dos sanguinários corpos
para que as fontes derramassem os seus sémens transbordantes e mágicos
para que os pátios reabrissem todas as portas matinais do começo ao monstruoso
eclodir de um amor absoluto
Amor: esqueletos plúmbeos, corpúsculos negros, desvigoradas rosas ao redor
da cabeça,
bocas acesas em candelabros de morte, o animalesco e macio odor exangue
dos frutos, a sublimada pedra verde, cantante,
inesgotável voz,
a harpa rarefeita com sua sombra de ternura,
o álcool para o pó intoxicante dos lábios
tempo que suspendo por detrás dos muros altos
um bosque aceso
um lugar secreto e puro para brilharmos para sempre