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5 poemas de Márcio Davie Claudino

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Ilustração: Claude Monet




Estudo para um jardim de animais tristes


“Mas tira essa gente invisível que ronda a minha casa!"
(Federico García Lorca)


Um lobo

Quem
te acompanha à tua porta
em vigílias extremas
faz esperas em teu jardim de bichos e flores tristes

E se enoturna de magnólias
e se cobre de relvas
tomba a sua sombra
em canteiros com sede

Espreita entre madressilvas
e idiomas de pintassilgos.
De tua tristeza em olho d’àgua
faz-se arroio

E se transforma em silêncios e outonos
e se alumbra na tua ausência
e se corta com cacos de teus vitrais?

A selva dos desejos

Quem te iludiu e entrou contigo
na selva dos desejos
na cama azulada de sanhaços
invadiu a nossa casa
e fez noites que se entreolham
em espelhos profundos?

Ressurreição

E me ofertas esta taça de ódio!
E me ofertas esta malícia de delícias!
Sevicias o meu pranto!
E me coroas com o cilício do silêncio!

Mas replantando em teu jardim
semeio canteiros noturnos de jasmins
freio auroras para te admirar na janela.

Tu que não me ouves porque és nuvem.
Tu que não me falas porque sou árvore.



Imperfeição


Este céu caiu

Do alpendre de pedra
recolho cacos de setestrelas
e me recolho em chão de espantos.


À sombra do mistério sagrado quase me revelo,
refletido nas águas da noite.


(Este céu é para montar)



Encontro com a monja


A monja do jardim de Salé jura que pensa em mim.
A única vez que a vi, sentada no dorso do tigre branco,
Fosforesceu a tarde com as pérolas do pescoço.

Ainda vejo a sua fronte coroada de diademas de sereno,
Muito mais delicados que a luz pequena do vaso tolteca.

Ainda vejo o emo que ela andejava,
acompanhada pela falcoaria,
Diziam que, às vezes, entontecida de saquê.

Ainda vejo a sua fronte celestina
(porque o céu a coroava)
e nos falávamos em copta, sânscrito,
e a monja ainda jura que não me esquece...

Porque dos olhos verdes deu-me a beber em seu céramo,
Enquanto bebia, ela mesma, dos meus odres de vinho casto.



Reencanto


Sou todo outono.
Espero a primavera para que voltes.
Terás virtudes de idades maduras,
terei silêncios de lonjuras para te contar
de juventudes idas em agosto.
O prodígio, a festa

Havia rosas na chuva
sob o portão da nossa casa.
Cascas de arroz pelo chão,
calendários, sermões, letras mortas;
editais pregados nas paredes,
recuerdos, datas e aniversários.

Agora a letra viva
aclama e canta em festa o dia da volta

pródiga, agradece

(Um lobo arisco se afasta
arrastando na boca um pedaço de crepúsculo;
contra o albedo da lua vidra o olho
refletido em cacos de vitrais).



Epitáfio


Em nossa casa rodeiam-nos os vivos
que chegam com palmas e ofertórios.
E eu leio alto com tremuras na voz:

“Porque o amor é forte como a morte
e duro como a lápide”

(Um raio cortado de sol mágico fende a janela,
tu repartes os cabelos da boneca e me acordas com um beijo).




Márcio Davie Claudino (Curitiba,1970) é autor de O sátiro se retirou para um canto escuro e chorou (Imprensa Oficial-Pr, 2007) e vencedor de alguns prêmios literários. Formou-se em Letras pela UFPR, onde frequentou o mestrado, desenvolvendo estudo sobre a poesia contemporânea curitibana. Após abandonar a carreira acadêmica em 2009, traduziu idiomas canoros e fabricou seus primeiros escritos aprendidos com animais soberbos, tristes, plácidos e alegres: pássaros (claro!), rãs, grilos, anfíbios, répteis, cães, gatos e insetos ruins. Exilado em lugares de decadência moral, de desolo social, em casas de saúde, à beira de rios e charcos, entre bichos de chão e coisas invisíveis (à guisa de estar perto de coisas vitais e devaneantes), tornou à vida após longa estadia nos baixios do espírito. Raptou musas e medusas. Então reiniciou-se na literatura. Tem paixão por livros e ruínas, onde gosta de habitar. Verdadeira obsessão por um certo tipo de mulheres desorientadas, de olhos oblíquos e febris, alheios e potencialmente suicidas. No dia em que for poeta falado, planeja atirar-se num vulcão ouvindo Wagner. Agora, nel mezzo del cammin, tenta a segunda metade entre algumas musas e muitas medusas.



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