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4 poemas de Jorge Vicente

Ilustração :  Held Back


nestes versos
o mapa-mundo

uma pele de animal
      ausente de palavras.




1.
sabes, walt,
um livro nunca terá a dimensão de uma vida ou
de um corpo,
nem as suas palavras estremecem como estremece
um lago, um rio ou um oceano

são dimensões opostas:
a linguagem e a natural visceralidade do
poema,
um poema sem imaginação,
mas com toda a intensidade de quem não espera mais nada
senão o próprio desejo de
viver,

de quem não escreve mais nada
senão essa convicção plena
que matar é sinónimo de

[tornar escura essa voz].



2.
não tenho biografia. nem um pouco desse ajuntamento fácil de acontecimentos e experiências,
dessa história, dessa memória narrada que me faz a mim [e aos outros poetas]

não tenho nada disso que se chama idade cronológica
idade fértil experiência de vida hora de entrar e sair do poema

não tenho nem nunca tive história
           [e nem posso ter]

porque a posteridade é uma faca que agarra a pele
e a vivência não pode ser deste tempo
nem do outro que passou,

senão duma presença
encorporada em tempo cenestésico
que acende.



3.
é um Canto
ou uma posterior humanidade esta que escreve
"estou aqui",

que habita entre silêncios brancos
entre uma pegada de animal
e um corpo [para sempre animado],

um corpo desejoso de escrita
ou da destreza de um verso:
o-leve-bater de um ofício-ainda-novo:

a ânsia monástica da vivência.



4.
(para José Félix)

não me observo na escrita
- esse acto menor de fingimento -
estando dentro estando fora,

consciente da língua
e do fazer poético.

não existe um corpo
capaz de pensar a sua própria existência
nem um corpo que saiba:

no poema, a língua é a nossa forma
de representar o mundo.

o corpo apenas se submete
a três princípios essenciais:
nascer, viver, morrer

e ao instante, sempre.




Contacto: teoriadomovimento@gmail.com

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