I
centopeias: e eu?
centopeias circulam cínicas pelo cinza do chão
cintilam em marrom ronronando como gatos roxos
eu as detesto, mas este é o verão
elas existem, eu não
II
tempo estranho
tudo aqui tem o seu tempo
e o agora que escrevo é palavra que já passou para mim
mas ainda será quando você estiver lendo
III
universidade
ah! eu tenho paixão!
tenho amores platônicos por dois ou três de professores ou professoras
tenho inveja, muita inveja
uma inveja sadia da juventude e da ingenuidade dos meus colegas de classe
sim, eu tenho muita paixão!
como se o chão deste mundo
fosse folhado de orvalho e medo
como se o teto dos olhos não fossem os cílios
mas círios acesos de tesão!
IV
nariz-laranja
vejo três luas no céu verde
uma cheia, uma minguante e uma crescente
mas há uma, nova, que não dá para ver
como a nova arte, que não se pode entender
V
vejo
uma grama roxa em que gordas vacas leiteiras malhadas de amarelo vivo pastam
e sinto o cheiro de laranja com meu nariz cor de laranja
alaranjado de araraquara
pressinto
orquídeas subterrâneas nos campos
e beterrabas florindo em árvores centenárias
pau-brasil cor de chumbo
textura do tronco toda cubista
com as sete cores de arco-íris
VI
inédita
olho para o céu cinzento e vejo gotas
não desvio meus olhos, fixo a água
elas caem e parecem muito grandes
nunca ninguém no mundo fez isso!
e uma das gotas de chuva cai no meu olho esquerdo
formando uma lágrima de contentamento
VII
a estrela
sou louca por esses dias azuis
em que as nuvens estão flocadas brancas
e em que, quando as noites os substituem
as constelações martelam o céu de cores sutis.
são vermelhos quase vivos
amarelos indescritíveis
e azuis.
tem uma estrela
– eu não sei o nome dela –
que tem mil raios multicores
a maioria azuis
o que lhe dá uma rima especial com os dias que a precederam
que estrela!
uma noite ela me hipnotizou
e voei até ela
a meio caminho
e vi mais de perto sua iridescência
sua indecente beleza
seu resplendor nada tímido.
tive que me conter
diante de tal maravilha
para não chorar
porque, se chorasse,
as lágrimas ampliariam as cores da estrela e de seus raios
– dessa estrela cujo nome desconheço, desses raios dos quais apenas suspeito a beleza –
e eu não suportaria tamanha lindeza.
VIII
destino
quando a noite preteja o céu
eu pranteio a prata que a lua derrama sobre
a nata do meu leite
é tudo branco, é tudo brando
é tudo negro, tudo desagrego
nos flocos de nuvens que passam ligeiras
certeiras do seu destino de chover algures
IX
Surto de alegria nos pés
hoje acordei com dois sois nos seios
sem saber se seria séria ou se seria suave
andei com nós na garganta
ouvindo plantas que cresciam para as aves
depois dancei, me cansei e desrespeitei
algumas regras básicas, como todo o mundo faz
mas eu mais, pois foi com rebeldia
e o meu dia
foi o dia mais lindo de uma bailarina clássica
X
Anjos arteiros
tenho medo da lua
quando falta um pedacinho dela
parece que os anjos picaram ela
e salpicaram ela pela janela do céu
pela pele brumosa azul escuro do céu
*palavra: Vivian de Moraes
*imagem: Lorena Assisi