Felipe d'Oliveira (1890-1933), poeta gaúcho, natural da cidade de Santa Maria, cuja carreira intelectual foi dividida em fases absolutamente distintas – a simbolista e a modernista – conseguiu ser muito relevante nos dois movimentos de que participou, fazendo com que a sua posição em nossas letras seja, sem dúvida alguma, definitiva. Mas, se postas em comparação as leituras e análises que são feitas acerca dos dois feitios poéticos de Felipe, há uma evidente desigualdade – principalmente no que se refere à suposta (e inverídica) qualidade inferior de sua obra simbolista em comparação ao seu período modernista.
(Felipe d'Oliveira por Cândido Portinari, em 1934)
A poesia simbolista de Felipe d'Oliveira se resume ao curto Vida Extinta, de 1911, mesmo ano de publicação de Ilusão, de Emiliano Perneta (1866-1921); percebam que alguns críticos julgam que o ano de 1911 é o fecho do Simbolismo no Brasil, mas, de Norte a Sul, grandes obras no estilo estavam sendo publicadas - e, ora, até Alphonsus de Guimaraens (1870-1920) após essa data publicava regularmente os seus textos mais significativos, mesmo que de maneira esparsa. Apesar de conter apesar nove poemas, Vida Extinta e a própria presença de Felipe d'Oliveira no Movimento Simbolista gaúcho ganharam grande destaque de Andrade Muricy em seu Panorama do Movimento Simbolista Brasileiro.
Na poética obra simbolista de Felipe d'Oliveira percebe-se a surpreendente ausência de sonetos (forma muito utilizada pelos decadentistas franceses e, por conseguinte, pelos simbolistas do mundo inteiro). Uma de suas influências mais evidentes foi a de Cesário Verde (1855-1886), poeta português e acerca do qual não se encaixa o exato título de simbolista – apesar de ter sido, ao lado dos próprios simbolistas portugueses, um dos poetas lusitanos de maior reverberação em nosso nefelibatismo. Vejamos o exemplo de “Desafinamentos”, poema em que o humour ácido de Cesário é manifesto na poesia de Felipe:
DESAFINAMENTOS
Eu hoje estou com as crises de Cesário...
Abafo ímpetos bruscos, esquisitos...
O meu temperamento tumultuário
é um desconchavo doido de ais e gritos.
Vou para o sol, e os seus reflexos ruivos,
da flavescência acesa dos trigais,
tangem meus nervos desandando, aos uivos,
em desafinamentos sensoriais.
Quero coisas alegres, e a alegria
me embriaga como as eterizações...
Tento os trejeitos da buforenia
e em vez de gestos tenho crispações.
Da minha cara de caricatura
Foi-se a ironia acídula, vermelha...
E o espelho, a refleti-la, parda, escura,
A uma tela de Goya se assemelha.
De roê-las, trago as unhas em serrilhas,
E por andar vestido de palhaço,
quando arranho os cetins e as escumilhas,
sinto a carne rasgada a pontas de aço.
Por isso, desde que tu vieste, e insistes
numas carícias que me fazem mal,
rogo que percas os teus ares tristes
e que desculpes o meu tom brutal.
Deixa que, tonta, esta cabeça louca
em infrene histeria se conflagre:
os beijos acres, que me dás, a boca
sorve-os como se fossem de vinagre...
Felipe d'Oliveira, que posteriormente à publicação de sua Vida Extinta participaria, no Modernismo, do grupo de Graça Aranha (1868-1931) – que também viu-se, na fase de Canaã, de 1902, envolvido com temáticas caras ao Simbolismo - ao contrário do que se praticou fase mais ortodoxa do Simbolismo brasileiro, sempre utilizou versos mais livres, mas rimados, ao bom estilo do Simbolismo português (como, por exemplo, de Antônio Nobre - 1867-1900). A evidência dos versos assimétricos pode ser vista nesse magnífico "Um Outono Depois...”:
UM OUTONO DEPOIS
... E tu ficaste lá... longe... na minha vida...
E eu tão só! Como pesa este abandono...
Abro os vitrais: que noite imensa...
Envelhecida,
a mesma lua do outro Outono (aquele Outono...)
cansada agora, incensa,
como um turíbulo de luar, a noite agreste...
O arvoredo está quieto... O arvoredo me assombra...
Lá, na distância, aquele vulto de cipreste
alonga indefinidamente
a projeção comprida
da sua sombra...
(... E tu ficaste lá... longe... na minha vida...)
O vento plange, silenciosamente...
Quero pensar em ti, recordar meus anelos...
Os plátanos se movem, vagarosos,
crispam dedos nodosos,
e alcançando-se à janela, agarram-me os cabelos...
Ficas perdida nas distâncias...
Tua saudade
Desnastra sobre mim uma mortalha de ânsias...
A paisagem se amplia à claridade...
A sombra de uma torre, trágica e alta,
cai sobre as folhas lacrimosas de um salgueiro...
O plenilúnio sobe, hirto, agoireiro
e derramando alvores lívidos, funéreos,
exalta
evocações veladas de mistérios...
Rangem as folhas secas...
À luz branca do luar, quietas, paradas,
pela extensão lodosa das charnecas,
brilham as águas mortas estagnadas...
Ai! a minh'alma!... Eu tenho medo da minh'alma!...
Já me esqueci de amar! Minha alma está serena
e eu tenho medo da minh'alma...
A paisagem mudou... A paisagem me acena...
Há convulsões nos gestos da paisagem...
Eu tenho medo...
Estão a se mover as roupas da ramagem...
É o vento... (O vendaval, na calma do arvoredo,
sumula adormentar essas fúrias tamanhas)
Anda uma sombra na alameda adormecida...
Anda alguém a acordar todo o arvoredo...
... Eu tenho um grito estrangulado nas entranhas...
... E tu ficaste lá... longe... na minha vida...
É um poema definitivo do Simbolismo brasileiro, não somente pela liberdade musical, métrica, mas pelo poder evocativo das imagens, que nos trazem uma nostalgia ambiental e temporal. É uma obra, em suma, de agouro e representativa no que se refere ao "fado trágico e implacável" a que tantos simbolistas se referiram. Para os escritores do movimento, não havia o acaso – tudo era, enfim, um fado (ou sina, destino, carma), revelando certa predominância da cultura cristã de resignação a que a vida apresenta ao sujeito-lírico. A revolta ipsis litteris do sujeito contra o meio não foi uma das características do Simbolismo, apesar de, em casos como Cruz e Sousa (1861-1898), ela ter aparecido com violência – não sem uma simbologia cara ao poeta.
O Simbolismo gaúcho nos trouxe boas novas no quesito formal, como em Eduardo Guimaraens (1892-1928) e Alceu Wamosy (1895-1923) – que no soneto “Eterna Tarde” traz a beleza de um verso final cujo sucesso reside em uma inesperada quebra do metro, mas de uma intensidade emocional e introspectiva grandiosa. Nos poemas métricos de Felipe d’Oliveira, destaca-se a melodia que vai além da mera rima externa; o constante uso de reticências nos dá o perfeito tempo para que cada imagem seja visualidade separadamente, para, depois, ser unida à próxima – e assim por diante – formando o todo desejado pelo poeta -, como em uma escala musical e imagética. Vejamos um exemplo:
UM PUNHADO DE TERRA E UM PUNHADO DE CAL
Passa o enterro da luz nas chamas derradeiras
entre a poeira de cinza espargida ao sol-posto...
Alçam-se, sagitais, os vultos das palmeiras,
espiritualizando os aspectos de Agosto.
O sangue que embebeu todo o sudário extenso
que, pelo ocaso, o sol fez cair de seu plaustro,
o Ângelus enxugou com farrapos de incenso...
Há no poente o presságio angustioso de um claustro...
O crepúsculo é todo uma estranha ametista,
a enclamidar o céu, fundo de buréis roxos...
E assim, magoado, evoca um poema simbolista
musicado em surgida ao cantochão dos mochos...
A tarde vai morrendo... A agonia da nuança,
em delírios de tons, plange pelos espaços.
Vésper quase desmaia... É uma rosa-de-França,
No alto despetalando os seus reflexos baços...
... E a noite veio e eu me perdi dentro da noite...
Vago na sombra... Vago dentro do mistério...
Perdido! Ando a buscar um canto em que me açoite,
e, alucinadamente, entro num cemitério...
Os ciprestes, na treva, erguem sinistros vultos...
Gemem vozes pelo ar, gritos desesperados...
São as cruzes, que, em ânsia, à beira dos sepultos,
têm lamentos de dor, como os acorrentados:
"- Noite!... Estirada assim por estes céus oblongos,
fazes ainda crescer nossas mudas torturas...
Os nossos braços, que se alongam, são mais longos,
e nós pesamos mais por sobre as sepulturas..."
Como se compreendesse essa aflita ansiedade,
lenta, a treva se vai no regaço das horas...
E, no domo do espaço, explode a claridade,
nessa ressurreição de todas as auroras...
Avultando na luz, plangem de novo as cruzes...
"Sol! dai-nos trevas!... Ao sol fulvo, nós vemos
que os nossos braços nus nunca se fecham, luzes!
E ao seu eterno peso, exaustas, mais sofremos..."
Saio... Ponho-me a andar. Vou sem rumo, sem norte,
na alongada extensão de uma estrada comprida.
Lembro a noite... O augural panorama da morte
inspirou-me o pavor pelas coisas da vida.
E ando... E ando... E passo junto a um prédio em construção
(Eu também construí... Tive anelos, ideal...)
... E ao pé de mim, do alto do andaime, cai no chão
um punhado de terra e um punhado de cal..."
Apesar de uma predominância de um vocabulário clássico ao movimento, surgem, no final dos versos, palavras e sentenças típicas ao homem contemporâneo ("prédio em construção", andaime"...), fazendo-me crer que esse poema tenha sido escrito quando Felipe já era um morador do Rio de Janeiro, onde tais situações eram (e são) comuns. Vale citar o dado biográfico de que Vida Extinta foi escrita parte em Santa Maria, parte no Rio de Janeiro.
Felipe d’Oliveira foi, como grande parte de nosso Simbolismo, muito influenciado pelo belga Maurice Maeterlinck (1862-1949) - diga-se, o único simbolista devidamente premiado; no caso, com o Nobel de Literatura, em 1911. Ao evocá-lo na “Saudade do Som”, o faz com um jogo sinestésico suntuoso. Ei-lo:
A SAUDADE DO SOM
Branca, dentro das charpas,
Ellen, inglesa e loura, d'ouro e espuma,
dolente como as harpas,
de olhos litúrgicos na auréola das olheiras,
pelos silêncios dos crepúsculos de bruma,
lê sempre o mesmo livro e a escutam as palmeiras
emergindo de ocasos cismarentos...
Ellen, dolente assim, e assim de espuma e de ouro,
amava os sons cinzentos
e as harmonias graves de abandono...
Foi tocadora de órgão pelas catedrais...
E na plangência do Ângelus, no Outono,
a hora de chover cinza nos vitrais,
no órgão acompanhava as danças agitadas
das folhas secas assustadas,
redemoinhando ao vento,
na extensão pardacenta da alameda,
em cadências monótonas e suaves,
como esse passo cauteloso e lento
dos cegos caminhando sobre seda...
Tinha o vício do som... Chopin, os sinos graves,
as notas de pedal e ressonância,
os motivos soturnos,
os violões esmorzando na distância,
a elegia calada nos noturnos
e as canções russas, langorosas,
afinavam-lhe a sensibilidade
na superestesia das nervosas.
E tanto se integrou nessa ansiedade
dos silêncios em música, velados,
que um dia
um espasmo de sons aveludados
matou essa harmonia,
que era o gozo sensual dos seus sentidos...
... E agora, inatingida, alucinante,
na muda impercepção dos seus ouvidos
que já não ouvem,
ainda vaga, nostálgica, ondulante,
a alma das melodias de Beethoven.
Ellen, loura e dolente, vive agora
da saudade dos sons crepusculares
de outrora.
E pelas tardes, a falta
dessas cadências singulares,
depois que o ocaso morre e o crepúsculo desce,
queda-se ao pé dessa árvore pernalta...
Lê... Imóvel, a paisagem,
na unção de quem ouve uma prece,
escuta-a com o silêncio da folhagem...
... E aos seus ouvidos, novamente, alontanados
dobres em Lausperene
passam, na procissão dos ritmos apagados...
Ellen lê Maerterlink... É a Princesa Maleine..."
Felipe d'Oliveira busca na alta cultura da época - e também no que podemos falar que é a cultura-base do Simbolismo - algumas evocações artísticas de decadência e caos íntimo (a peça "Princesa Maleine"), de soturnidade e morosidade pessoal e ambiental (Chopin) e de desespero (Beethoven, que, no final de sua vida, compôs as suas obras - inclusive a Nova Sinfonia - apesar de acometido por uma quase completa surdez). Além disso, numa construção poética típica do Simbolismo, faz da primeira estrofe um painel sinestésico magnífico (por exemplo, no trecho "loura, d'ouro e espuma,/ dolente como as harpas..."), tudo cingido pela percepção musical que o poeta coloca em primeiro plano - e em vários aspectos e formas.
E, inclusive, acerca da alta cultura, Felipe d’Oliveira foi um dos que não negou a influência da Irmandade Pré-Rafaelita em sua obra. O Pré-Rafaelismo – movimento que cingiu principalmente a pintura -, tinha uma grande influência dos Românticos em sua arte (Keats – 1797-1821 -, por exemplo, atingiu-os em cheio com a sua alegórica La Belle Dame sans Merci), e por se tratar de um movimento contra o academicismo e em oposição à frieza que imperava na arte da Inglaterra, logo obteve grande simpatia dos Simbolistas – que se opunham ao positivismo e ao descritivismo frio do Parnasianismo. Em “Miss Alva”, assim Felipe evoca a sua musa:
Ó evocação de Santa Genoveva,
ó lírio branco dos pré-rafaelistas,
nascestes para ser, por teu todo que enleva,
modelo dos pintores simbolistas...
Da obra, ainda se destacam os “Versos ao Cais” - que julgo ser o melhor poema de sua Vida Extinta - cuja profundidade na transitoriedade de imagens é raramente encontrada em sua época, talvez em Augusto dos Anjos – mas sem a perspectiva metafísica do último. Vejamo-los:
VERSOS AO CAIS
Ó velho cais, meu velho amigo,
ó confidente dos meus dissabores,
a quem trago a oferenda destes versos:
o teu aspecto antigo,
na pungitiva paz de uma enorme saudade,
faz reviver dentro em mim, dispersos,
avantesmas de dores
e horas emocionais de suavidade.
A tua história toda é a história de um cenário...
E eu sei contá-la,
porque eu sei de cor o trecho tumultuário
que nós vivemos juntos tantos anos...
Sei melhor que ninguém compreender tuas ânsias
e traduzir teus arcanos,
quando, aos crepúsculos de opala,
ficas a olhar a curva das distâncias...
Tens ímpetos de andar mar a dentro, vogando
ao balanço das água...
Anseias te envolver nesse velário pando
que o céu desdobra lá de fronte...
E queres ir chorar as tuas mágoas
no isolamento do horizonte...
A minha vida e a tua andam ligadas.
Vejo-te e lembro... Acordas-me à memória
em cinzas apagadas,
a velha história
que foi minha história fugitiva...
Lembro mortos desejos que matei,
cultos de amor que ergui, com fetichismo,
e o triunfo sobre mim que celebrei,
quando a minh'alma, para ser sincera,
rebelada e descrente,
ao meu orgulho e ao meu egoísmo,
mostrou em vez do amor a efígie da quimera
e me gritou para eu me amar a mim, somente!...
Ser só, logo em começo, me fez mal.
Tive o pavor da vida, andei a esmo.
Mas quis vencer, quis ter vontade,
amordacei meus nervos, e afinal,
no meu exílio dentro de mim mesmo,
fui deparar com a felicidade.
É isolado que os teus aspectos, cais, eu sinto,
com meu autodomínio sobranceiro,
tendo a certeza para o meu instinto
que és meu único amigo verdadeiro...
Por isso, eu venho assim, cada manhã,
no meu roteiro eterno,
para este banco desarticulado,
e sento à sombra deste flamboyant,
que no verão é como os tísicos no inverno,
em hemoptise flórea ensanguentado.
Quedo-me horas a fio a visitar-te,
E fico, indiferente, compulsando
a alegria ruidosa de quem chega,
a tristeza dorida de quem parte...
Há burburinho, alarme... E, se agitando,
a vida urbana ofega...
Rola, em bardas, a turba, em andares de pressa...
Para honestos afãs labutadores,
tudo se move e tudo se arremessa...
É a hora da partida e entrada dos vapores.
A quantas sensações, meu velho cais, me impeles,
nesses instantes de tumulto!
Lá vai, perturbador, na tepidez das peles,
em nervoso arrepio a sacudir-se,
um imprevisto vulto
de embebedante e estonteadora Circe.
É franzina e sensual... Sua boca purpúrea
e a alva epiderme dos seus ombros finos,
revelam, em promessas de luxúria,
toda a luxúria morna dos felinos...
E ali, em meio à praça, aquela gente
parece que voltou de algum enterro triste...
A rapariga tem aparências de doente...
E nos seus ombros verdes, de alga, existe
a sombra de uma chama extinta e morta.
Sua figura magra,
num fundo amplo de céu azul, recorta
uma silhueta fina de Tanagra...
É tísica... E na fala, e na atitude
trai a esperança de ainda voltar boa...
“- Quantos partiram pior e vieram com saúde...”
… E vai feliz por esse mar, à toa...
Calmas, passam-se as horas... A paisagem
tem a tonalidade azul do meio-dia.
Lá em cima, o sol, com fulvos tons de brasa,
tépido, acaricia...
Ergo-me e recomeço essa diurna romagem,
que, de retorno, me transporta à casa.
Meu velho cais, são horas de voltar.
Deixo-te... E à noite quedas-te soturno,
ouvindo o oceano murmurar
as queixas musicais de um plangente noturno.
… E são os teus instantes agoireiros...
Avultam na baía as torres dos presídios.
À voz dos marinheiros
que cantam, tristes, te entristeces...
Ao pé de ti comentem-se suicídios,
e os afogados estrangulam preces...
Depois, quando de novo busco o abrigo
do espiritual silêncio do meu quarto,
eu penso em ti... Sonho contigo...
Ficas imóvel, e eu, vencendo ondas e escolhos,
no bojo escuro de uma nave,
parto
demandando o sem-fim de algum exílio suave...
Numa saudade vaga, arremesso-te os olhos...
Vejo o teu vulto a se perder, a se apagar...
Vais diminuindo no horizonte imenso...
E sobre ti ninguém que eu deixe a me acenar
em despedida o adeus branco de um lenço...
É um poema com o esplendor melódico e estético de um poeta completo. Adiciona-se, além disso, algumas perspectivas que não eram postas como características da produção simbolista, como, por exemplo, a percepção de movimento contínuo dos seres humanos em sociedade, no evidente caso dos “labutadores”. É um ser consigo mesmo expondo o cotidiano de um “velho cais”, único lugar onde ele consegue, enfim, encontrar a felicidade.
O poeta gaúcho, que, após Vida Extinta, ficaria treze anos sem publicar, vindo a lume somente com o seu modernista Lanterna Verde (1924), também tem uma peça de cunho simbolista - Terra Cheia de Graça - e que só foi publicada postumamente.
A parte simbolista da obra de Felipe d'Oliveira está, infelizmente, quase desaparecida na internet, pois tomaram frente tanto Lanterna Verde quanto as famosas declarações dadas por ele no estouro do Movimento Modernista (organizadas e publicadas em suas "Obras Completas" pela editora da UFSM, em 1990, às quais tenho como fonte para a versão mais atual dos poemas). Um grande livro como Vida Extinta não merece o esquecimento que lhe é dado por ora. E que se diga: muito do olvidamento acerca não somente da obra de Felipe d'Oliveira, mas também de vários outros autores anteriores ao Movimento Modernista – Simbolistas ou não -, é consequência de uma tácita postura de seleção, que faz com que somente o essencial aos movimentos anteriores a 1922 seja lembrado, fazendo-se com que se perca muita coisa de excepcional que a literatura brasileira produziu antes da Semana Modernista; mas como já discorri, em outras palavras e em outros ensaios, o essencial, para aqueles que pretendem esquecer, é basicamente o nada – e é aí que reside o referido perigo.