1.
Cravo
Silêncio cravado no espaço entre nós
Gengivas decadentes
Ogivas desativadas
Língua amortecida
Palavras desencontradas
Silêncio cravado no espaço entre nós
Mais um terrorista
Onde está a bomba?
Ele me lança no vazio.
Explodo no espaço entre nós
O som, agora preenche aquele vazio e o silêncio permanece no antes e depois do que clareia e
cega, alimenta, esvazia.
Onde estamos?
Espalhados em paredes e sobre a carne humana
Sobre a carne humana, subaproveitada, revendida, traficada, fabricada, explorada.
Mãos no lugar dos pés, pés nas cabeças e na praia uma menina vela a família na areia.
O grito, idioma internacional dos inaudíveis, invisíveis, previsíveis.
Mais um terrorista.
O imprevisível.
Caixão sem cravo.
2.
MÃOS NÔMADES
No banho resquícios de sujeira
renovação de imundícies
a água escorre pela cabeça
Mãos apressam os filetes através do corpo
registram a forma, o tamanho
despertam o sangue
Entre as pernas o rosto iluminado, cega
a cabeça dança em círculos
uma língua ativa
A boca aberta o gosto de Éden
o pedido de asilo
fronteiras entre pelos pubianos
Costas largas que sobem e descem colinas, montanhas, mares
deixam marcas na natureza
recebem e doam
Pernas abraçam quadris, apertam, coreografam
O mergulho de um rosto em outro pescoço
Peito com seios, barriga entre coxas
Murmúrios variados
Posições invertidas
A boca aberta, o gemido morto
O fim do paraíso
Mãos nômades
3.
Um vampiro me disse
Quando meu sangue chegar até você, saiba receber.
Quando me doar o seu, saiba oferecer.
Para que não existam coágulos entre nós.
Porque o sangue é algo sagrado demais para se desperdiçar com vampirismo amador.
Nos suguemos intensamente.
Sem uma gota fora do dente na jugular.
A veia, nosso ponto de encontro.
A veia, nosso quarto, onde a luz não entra.
A veia, nosso portão sem grade, fechadura aberta.
A veia, dilatada nos anima.
A veia, sugada nos emancipa.
Um vampiro me disse.
Chupar na ausência de sangue é voltar no tempo.
Largar o peito, sugar borracha.
No pescoço, um mapa .
Mãos frias escorregam , controlam o ar que entra, fica, espera, segura, sai.
Vou, fico, parto, volto.
Sou inteira meu pescoço.
Todo ânimo, todo breu, toda a cachaça concentrada .
Meu colar ao redor de mim.
Sem ele, desnuda.
Com ele, vampira
4.
Reciclagem cardíaca
Amor capturado.
Encapuzado, fica cego.
Ouve e aspira o fedor de seus captores.
Recebe o soco, ouve a faca, sente o choque.
Tudo sabe, nada diz.
O amor é um péssimo informante.
Qualquer amor delator é paixão passageira, de pequena intensidade.
Sequestro a paixão, por vingança.
Dois meses em cativeiro.
Não a maltrato.
Conta tudo, sem nada saber.
Paixão vira lata.
Do meu peito para a reciclagem.
Paixão de grande intensidade.
Nada sabe, nada diz.
Submerge em mim.
Afogado no lixo.
Lá está o amor descartado.
Meu coração, inservível, insubstituível por outro que não seja o teu.
5.
Shanghai
Quem não tem avião voa em Shanghai com suas naves coloridas acopladas
entre si.
Tudo gira em círculo ao redor do mesmo ponto.
Cadeiras, xícaras, minhocas, gaiolas.
As luzes iluminam os gritos quando a noite chega.
Euforia e pavor em decibéis elevados.
Pipoca, algodão doce, rifles, brindes, pelúcia.
A vara de pesca fisga um peixe artificial cujo prêmio é um pega varetas.
Na máquina uma vidente de plástico revela o futuro.
Na gaiolinha de madeira o papagaio tira a sorte.
Quem não tem carro dirige em Shanghai com seus carrinhos estridentes
batendo entre si.
Impacto nas costas, cabeça, braços, nervos, gritos, perseguições.
Sempre estive em Mônaco passeando pelo principado.
Abatida por algum tipo de motorista bêbado sem carteira.
Fim do sonho.
Bater de volta ou escapar pela pista?
Pegar o primeiro trem no escuro?
Ao menor indício de luz, a emersão do medo.
Peludos ou não, mascarados ou não, armados ou não, ensaguentados ou
não, o terror se impõe em sua casa.
Quem não tem balão flutua por Shanghai em seus cestos pintados de vime.
A um metro e meio do chão é possível avistar todos os sapatos na fila de
espera.
A expressão de cada rosto ansioso pela sua vez.
A música em Shanghai não foi feita para dançar mas para marcar na
memória o tema de cada lugar.
Desfigurados por espelhos, a passagem arranca gargalhadas.
Quem não tem cavalo galopa em Shangai em seus animais alados.
Rodeado por espelhos, pedras preciosas, basta segurar firme na barra e se
deixar levar pela labirintite.
Passear pelo sistema solar em quinze minutos com planetas de luz
florescente.
Saltar em ambiente inflável.
Passear em um barco viking, dilacerado pelo seu ir e vir.
Baixar, descer, circular sentado na roda gigante enquanto o parque brilha.
Quando a noite chega, algo acontece em Shanghai. Quando ela chegou algo
aconteceu comigo.
Aos três anos percebi que o parque estava com os olhos abertos para mim.
*Parque Shanghai. No bairro da Penha, no Rio de Janeiro.