/Helena Figueiredo/
Quem habita a memória
tem sobre a fronte, o forro engalanado de um caixão
onde as sombras se passeiam
homens, crianças, mulheres
um antigo namorado
paredes meias com o passado (secreto)
que nunca chegou a ver a luz raiar.
Quem habita a memória, já morreu.
Mas aquele que faz da fantasia o seu transporte
será que vive
será que não está também, perto da morte?
Abro o gavetão do fundo
calço as botas desusadas
embrenho-me no bosque
rompo as teias húmidas
parece-me sombrio, este lugar de cheiros ácidos
um filme irlandês
mas caminho, sigo à procura ainda não sei de quê
talvez um mundo novo
talvez um mundo novo
algo cai aberto em frutos, a meus pés
há tocas de predador cheirando a quente
e muitos cogumelos, dos quais não sei o nome, nem nunca saberei.
Lá do alto, o instinto animal
desce na direcção da minha boca, suja de medronho
e eu, exercendo uma forte pressão sobre o musgo
fujo, grito por socorro ao primeiro lenhador.Crane's Wing,1512 - Pintura de Albrecht Durer