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"Na órbita de veludo naufragam locomotivas insones"

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4 poemas de Gustavo Petter

Imagem: Jeremy Geddes


Disse para traduzir-se: penumbra.
Tudo que vira o habita.
O garoto nasceu nos trópicos,
a família (quase toda)
trocou neve e ciprestes,
fuga das tropas do führer.

Disse para traduzir-se: penumbra.
O mundo é rumor e texturas.
Olhos devoram tudo.
É preciso, feito animal, migrar
em busca de alimento.
Então pouse a pele, compreenda:
tudo é tátil. Tudo é linguagem,
ouça.

Entoo Dante, o primeiro terceto 
do Inferno:
"No meio do caminho desta vida
desencontrei-me numa selva escura
que do rumo direito vi perdida"

Avô, a poesia traduz
tua cegueira. Teu neto é professor
de literatura. Sinestesia, um exemplo:
Teus olhos silenciaram.


*


meu delírio pulsa
onde despencam
cadáveres de borboleta

onde poesia
se celebra
com orgia ritual:
homens e palavras
se fecundam.

fera miraculosa
vomita o caminho
desde que enterrei
nos olhos
o mapa de pasárgada.



*


Mergulhas
em águas escuras.

Metade oculta
outra flutua
em meus olhos.
Corpo lunar.

Disse que o frio
são agulhas.
Permito ao delírio
raie sol.
Então,
réptil imóvel
te aqueces.

Não há musa
anadiômena.
Tudo é linguagem.
Há Botticelli e Rimbaud.
Há signos e rumor
nas palavras
& frag
me
nta
das
Visões.


*


Na órbita de veludo
naufragam
locomotivas insones.

Em voz noturna...
sussurra-se o nome:
cu
astro obscuro.

Leito desfeito,
rascunhos,
livros e copo vazio
no criado mudo.

Sanatório dos arcanjos,
café da manhã até as nove,
após as onze
cobra-se outra diária.

Quem decretará imóvel
o poema?
Gema lapidada?

Não há término:
ininterrupta
temporada no inferno.


*


"Sou Gustavo Leonardo Petter, nasci em 1984, na cidade de Florianópolis-SC, porém habitei inúmeras cidades desde criança, o que inscreveu em mim certo desapego, um não-pertencimento, um estrangeirismo. Para traduzir minha visão poética, cito Roberto Piva: 'E a poesia tem a ver com todas as formas de amor, de erotismo, de desregramento sistemático dos sentidos, com todas as formas de contestação e de perversão'. Para mim, signos eróticos e obscenos, antirreligiosos e meta-poéticos coabitam com a materialidade da palavra e uma contemplação oriental no corpo do poema. O poema não admite policiamentos morais, estéticos. A liberdade possível é a linguagem." Blog. E-mail.


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