CIDADE
O tempo
e suas longas tranças
debruçadas em varandas com
vista para os olhos da cidade.
A cidade com seus sentimentos
enclausurados
em caixas de concreto,
pés de aço,
jardins de cimento,
estátuas mijadas.
Você tem que ser híbrido,
até seu silêncio deve ser civilizado.
Deixe o que é visceral para
a fotossíntese das plantas.
O que é magistral na sua loucura
para a metamorfose das borboletas.
Nada de mudanças repentinas,
enquanto a cidade e seu relógio analógico
decidem seu destino.
Ande devagar, não olhe para os pássaros.
Quando você assumir uma cor cinzenta,
e tiver a idade do ralo,
do bueiro,
a cidade respirará o
o resto de sua alma.
Vão te chamar de homem,
seus músculos tensos
serão condecorados,
até que você não tenha nem
mais o consolo da beleza
do abismo da tristeza.
Você ficará só com seus olhos de boneca.
Sentido em suas feridas o focinho da cidade.
O tempo irá desfazer suas, nossas tranças.
MARCADOR DE LIVRO
Esta fita vermelha
é como o fingimento dos seus quadris.
Sempre fecho o livro
quando não entendo o ritmo
das letras.
As perguntas tão
desinteressadas nas repostas.
Certos movimentos
automatizados
não me coram mais.
Mesmo assim,
rápidos,
lubrificantes de ponteiros,
são as minhas mãos,
num seminário do desejo.
Na nudez do escuro,
nada é tão impuro.
BARRA GRANDE
Levei um ano para ver estrelas de novo.
Olhei muito para cima nesse intervalo,
mas elas se escondiam entre prédios com sobrenomes.
Tinha que voltar...
colecionar as conchas que o mar
não nos trouxe,
como uma antologia
de tudo
que não se pode repetir.
fotos: Vivian Maier
* * *
Carla Andradeé mineira de Belo Horizonte. Está em Brasília desde 2000. É jornalista e poeta. Em 2007, publicou Conjugação de Pingos de Chuva. Lançará Artesanato de Perguntas, seu segundo livro, do qual fazem partes estes poemas.