"A PARTIR DO MOMENTO EM QUE NOMEIO, SOU NOMEADO: FICO PRESO NA RIVALIDADE DOS NOMES”[1]
Sempre gostou de animais. Não de todos, perdoe-me, dos dela! Sempre gostou de seus animais. Dizia-me que, quando criança, já tristonha, contava as horas deste mundo inabitável (e cada vez mais habitado) no silêncio do canil. Encantava-se com o silêncio do canil.
Cálida ficava com a possibilidade de uma relação na qual o outro não se sentia mais ou menos cachorro diante de seu olhar. E, assim, claro, a recíproca era verdadeira. Não hesitava no que era ou deveria ser quando ali no canil estava. Além disso, o que pediam não deslizava e escorregava de suas principais vontades quando ela os atendia. Seus pedidos eram claros, certeiros e baratos. Mesmo a exigir a eterna repetição, nunca lhe foi caro encerrar um cafuné.
Não havia equívoco na comunicação. Não havia surpresa na relação. Não havia exaustão. Obviamente, ela (num discurso diferente do deles) oscilava entre a linguagem dos signos e a do inconsciente. Oscilava entre a casa dos cachorros e a dos seus pais. Tal calmaria vivida no canil tinha prazo de validade, assim como os mal-entendidos da língua de seus pares. Permanecia entre uma casa e outra. Uma casa a descansava da outra.
O tempo do canil tornou-se restrito. Ela haveria de encontrar outro intervalo para dar suporte aos relacionamentos. Outros silêncios. Outras demandas baratas. Aumentou, assim, seu tempo de devaneios. Fantasiava e lia com o intuito de erotizar o mundo. Amava se apaixonar (detestava levar a pessoa junto). Seria como errar na mosca (ouviu certa vez de uma criança).
Imersa nos amores compartilhados. Pensou que havia um, ao menos um, com quem poderia dividir o insustentável de uma vida. Ele (com E maiúsculo!), embora também atrapalhado na linguagem e imerso nas confusões de sentido (afinal, caso contrário não acreditaria em sua própria invenção), sabia exatamente o que fazer com seu corpo. Ajudava-a. Ela nunca soube o que fazer com o seu corpo. Poucos sabem o que fazer com seus corpos. Poucos-raros sabem.
Mesmo com ele, mesmo em sua fantasia, mesmo em sua mentira mais verídica, foi tomada pelo assombro de sua história particular. De uma espécie de amor que se apossa de tudo e, assim, torna-se impossível.
Ele rompeu com ela.
Ela comprou um cachorro.
[1] Barthes, Roland. O prazer do texto precedido de Variações sobre a escrita. Lisboa: Edições 70, 2009.