Luciana Salum
Ela tem olhos azuis e cabelos pretos.
Arrastada por um amor impossível e não pleno de sentido, sou levada ao quarto que cria o cenário deste livro; Olhos azuis cabelos pretos[1]. Ouvimos rumores do lado de fora, o barulho do mar e também passos em busca de sexo. Dentro, mais do que uma conversa entre ele e ela, vemos olhares. Olhos que se esquivam. Olhares esvaziados de sentido e cheios de cor. Azuis.
Leitura azul que exije a ausência de intervalos. Não pela ilusão de compreensão, mas pela captura de nossos olhos numa beleza estética que denuncia o cru-cotidiano de conversas que se perdem diante da força de um olhar. Poderíamos dizer que é um livro fotográfico. Fotografia que escancarava o excesso vindo dos buracos dos olhares. Cores.
“O que a Fotografia reproduz ao infinito só ocorreu uma vez.” Ou ainda, penso como o acréscimo de algo terrível que sempre a acompanha: “o retorno do morto” (Barthes, 1984, p. 20). Busco minhas fotografias, meus excessos.
Tal casal invadido pelos olhos azuis cabelos pretos vive um relacionamento branco que traduz o desespero do certeiro desencontro de uma relação. Branca também é a textura da pele dela. Branca. Como se percebe nos amantes. Sequer rosada fica, pois sua pele não fixa o sol. Como se percebe nos amantes.
Horas se passam enquanto ela olha para ele sem o ver. Seria o azul a impedi-la? O azul traz em sua companhia o equívoco de um desnudamento. Ele não a toca. Eles não se tocam, deitam-se lado a lado e esquivam-se dos dedos. Olha para ela. Olha na surdina da noite enquanto infere que o azul não vê quando de olhos fechados. “Ele não faz nada. É alguém que não faz nada e cujo estado de nada fazer ocupa a totalidade do tempo” (p. 47). Olha para ela. Oferece seu olhar enquanto ela dorme profundamente e se liberta da presença dele.
Não são mais do que olhos. Olhos que nem sempre acompanham um olhar. Seria ela aquela dos olhos azuis? Habituada estava a que falassem de seus olhos. Parecia ser o que a diferenciava das outras. Seus olhos. Azuis. (Cabelos pretos.) Terríveis de tão azuis. Olham-se sem se ver, olhos vazios de sentido e cheios de cor.
Azuis.