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10 POEMAS DE ANDRÉ LUIZ PINTO DA ROCHA

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DOIS POEMAS INÉDITOS



I


Em comum
o nome do pai
como quem oferece maçãs no melhor estilo, fizesse
ou não fizesse frio; tenho certeza
que amar para ele nunca foi pecado, era uma equação simples
sempre o tive em alta conta comigo; sempre o banhei
de suor no calvário, virgem Maria
de seios fartos, anjo
de pau faminto.




UM POEMA


Um poema, que terminada a sessão
você se arrependesse dos livros que leu
até daqueles que você escreveu
qualquer possibilidade do que seja um livro.

Isso se deve afinal porque
se antes você não tinha tanta convicção
hoje qualquer coisa que chega
soa a frases de caminhão

o que vem atingindo suas leituras
de Drummond, para o total desespero.
“Pra ser sincero, não teve nada pior
nem quando decidiram me arrancar o rim”.



*    *    *



OUTROS POEMAS



?


Tens aquela estranha mania
de comeres fígado pela manhã?
As vísceras da língua?
O mecanismo ideográfico
da palavra, sua ampulheta natural, tens?
O verso, sendo amor e púrpura
solidez de fogo
(a tempestade amortece os passos
peremptórios na lama)?
Vives náufrago (como acordam todos
de olhos cheios?
Entendas
Nada te resta
a não ser um beijo como souvenir
ou poema: esta estalactite.



Um brinco de cetim


Incrível
tua lembrança:

um leão
rasgando seda.

Exponho
os pedaços de amor pela cama:

meia dúzia de anátemas, enjoos

(o brinco de cetim)

post-mortem de livro:

sabes, incalculável
a soma deste viés

(porque somas.
Não soletras).




V



Como se abrissem
os olhos (flashcontra
a retina), como se
visses além da tua
imagem e da minha
corpos em estágio
de honra e putrefação
vão-se em vão depois
de tudo. Ainda te
lembras deste pesado
vulto a te deter
no retrovisor? Repulsa
ao pensamento?
Apenas eximiu
releu o inútil livro
magro e capenga
a última página
dois, três poemas
e basta: engavetado
na memória sobre
vasos de terracota
com sua miopia; ele
sonolento entre
lençóis, servindo
de testemunha
a ser dicionário
por ser perigoso.



anotações díspares como são díspares todas as anotações


Mas como fugir dessa linguagem
impoluta, sufocada dia-pós-dia
intercedendo sobre tais minérios?
E, como arrisco-me por conhecer
nenhuma lei, alivia-se a boca
sob a estase dos ventos? Mais se parecem
do que negam o verdadeiro valor
da conta, cântico dos quânticos
no descortinado meio-dia; aliás, Sofia
engole a cidade, convenhamos que
Sofia é morta e nos atende por Antonio
Gonçalves Dias, nosso primeiro narciso.


VII


A miséria começa em casa
com seus filhos, a lamúria cega mas certa
de seu pai, o tiroteio marca os valentes
o vento caudaloso nos adoça, é podre, talvez
áspero, saber que alguém veio aqui;
bato palmas, você não sabe o que escreve
pensa que a imaginação decifra a dor
mas ela não decifra; você, que nem devia
ter pensado, agora é assim:
poetas sobem o morro, fazem suas pesquisas
acham que a vida rude lhes inspira
como nos cardápios escritos com giz
ou pombos que mastigam num despacho
um pedaço de galinha (tudo é canibal
faz parte da cultura, é matinal
sangrar na latrina, enquanto
do alto dos edifícios, ao som
do baile quente, ainda se decide
ao pé de uma fogueira
o preço de uma vida).


VIII



Dores no vitral da Igreja de São Marcos
sei que teu primo morreu, o réu da acusação um outro
que fora primo, chamávamos de primo e ele nos abençoava com sua gargalhada
como acusar um primo para inocentar outro
como a fossa negra da vida amanhece sempre limpa
romântica por assim dizer, digo deus dessa água não beberei
desse rosto que tu vês jovem e largo
jantamos juntos e só não conseguimos desconto porque dizia respeito aos casais
mas eu bem que me aceito segundo os termos da lei
as normas dos vinte
e o vigésimo é você.



IX


Poemas não pedem para nascer.
Deslocam o ponteiro daquilo que funciona.
Cinco dedos são insuficientes
muito menos uma cabeça pra pensar
a fim de que um poema venha a funcionar
ausenta-se de todas as regras
põe o coração na ré
é preciso ter a fé de que nada vai dar certo
para escrevermos
se fosse.



ARENA


É visível que não há espanto
nem na formosura do olhar.
Certo que não há como antever
o silêncio na boca de teu pai.
Canalha, uma dose de cinismo
o que há para ser gol, a falta de
dias e dias sem escrever
e o que há para ser, feito
a morte, por nenhuma bagatela.
Estou grudado em sua pele
sua joia é sem juízo.
Silenciosa, bem-vinda é a vida
que lhe obriga a andar de quatro.
E o que lhe resta é tudo isso:
a máscara do adeus – pão & circo.




imagem: Taylor James



*     *     *




André Luiz Pinto da Rocha nasceu em 1975 no Rio de Janeiro. Formado em Enfermagem pela Uni-Rio, chegou a exercer essa profissão por três anos. Graduou-se mais tarde em Filosofia pela Uerj, cursando o mestrado em Filosofia pela mesma universidade. Atualmente cursa também pela Uerj o doutorado em Filosofia, desenvolvendo uma tese em Filosofia da Biologia. Publica poemas e ensaios há dez anos em revistas e jornais de literatura. Com Eduardo Guerreiro, editou a revista .doc. Leciona na Universidade Estácio de Sá. Publicou "Flor à margem" (1999), "Um brinco de cetim" (2003), "Primeiro de abril" (2004), "ISTO" (2005), "Ao léu" (2007) e "Terno novo" (2012). Leia outros poemas do autor aqui e aqui.





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