Celestograph (1893-1894), August Strindberg.
A mão obedece ao intelecto
a Carlo Maria Mariani
Supor que
o diga
do silêncio
que não
muda, se
bifurca −
faz sorrir
Tal como
a água
derramada
pela tarde
que há
de vir
In: A grande noite perdida (Clube de Autores, 2019).
A paciência do salto
Ontem fui Jano
sem outro nem
fora, meio cego
no olhar
Recontei meu
tempo, passeei
nas ruas de
minhas roupas
sujas
Num esboço
de mundo, fui
além de mim
mesmo −
destruído
In: A grande noite perdida (Clube de Autores, 2019).
Pequena ode à nulidade
Olhos que
nunca veem
nunca veem
Braços que
nunca têm
nunca têm
Corações que
nunca sentem
nunca sentem
Cabeças que
nunca pensam
nunca pensam
Dedos que
nunca apontam
nunca apontam
Pernas que
nunca avançam
nunca avançam
Assim caminha
a humanidade
a humanidade
(mas em que
direção?)
direção?)
In: A grande noite perdida (Clube de Autores, 2019).
Celestografia
a August Strindberg
O mundo é uma fraude
O véu que o acolhe
um avenir que o toca
sem face ou emoção
No cabelo da chuva
amarramos fitas
no cristal girante
de uma goiva exótica
Apesar do medo que vaza
à voz não cabe a boca
Não lhe cabe defini-la
nem a chance de ficar
calada – de morrer
sozinha
In: A grande noite perdida (Clube de Autores, 2019).
Campo de peles
a Ronaldo Auad
1
Muito aquém
do que
transpira a
luz rompida
em que
me acolho
até tornar-me
hera
2
No corpo
inscrito a
que me
integro
um olhar
arranha o
céu diurno
bem além
da cordilheira
In: A grande noite perdida (Clube de Autores, 2019).
Jorge Lucio de Campos é poeta, ensaísta e professor da ESDI/UERJ. Publicou os ensaios Do simbólico ao virtual (1990), A vertigem da maneira (2002), A travessia difícil (2015), Lembretes filosóficos para jovens sábios (2019), O império do escárnio (2019) e as coletâneas Arcangelo (1991), Speculum (1993), Belveder (1994), A dor da linguagem (1996), À maneira negra (1997), Prática do azul (2009), Os nomes nômades (2019), Sob a lâmpada de quartzo (2019), Paisagem bárbara (2019), Através (2019), O triunfo dos dias (2019), A grande noite perdida (2019) e Desimagens (2019).