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"a linguagem ilícita dos corpos" - 7 poemas de Anna Apolinário

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Arte de Lukas Kándl
MARIA E A SIBILA

Maria,
teus seios áureos, abismos de seda.
Tuas selvas e relvas, fiações elétricas,
o bosque suculento dos teus beijos.
Tua boca cravejada por escaravelhos cintilantes.
Sigo tateando tuas fomes,
roçando com mãos de relâmpago
bem dentro do sonho.
Essas belicosas placas tectônicas carnudas de teu sexo,
doces e furiosas frestas dissolvidas em lava alquímica.
Rochas íntimas mordiscantes,
secretos basaltos famintos fumegantes.
São beijos loucos legítimos pestilentos,
diabruras borbulhando em tua boca,
Maria,
devore as carapaças brilhantes dos besouros
lambendo suas asas,
vista a tempestade e o assombro.
Esqueça as migalhas de pão na floresta,
não há retorno.
Rasgue os mapas e o fogo nas páginas.
O inferno é versátil feito criança,
está sempre mudando de lugar.
Com um punhado de areia,
dilate as pupilas.
A vertigem é viscosa,
afunde os dedos,
Maria.
Foto de Amy Judd
30

o tempo, labirinto
faz da linguagem, asa
amor, vernáculo
ilícito
que o corpo guarda
Foto de Lisa Cueman
Bibliophilia

a página pulsa
galope bruto
traça
sem rédea
caligrafia do caos
gozo e agonia

encarno
todo o veneno e antídoto
que há nos livros
Foto de Kiyo Murakami
Corpoesia

Escrevo
Para derrubar paredes
Cegar tua íris
Apunhalar as veias

Atear delírios
Traduzir-me em sílabas
Queimando dentro de ti
"The Virgins (Jungfrauen)", de Klimt
Desígnio

a beleza galopava aguda no meu sangue
dobrei os joelhos para ver
mulheres de Klimt
anjos de Breton

dois animais ganiam:
os punhos cerrados do amor
"Witches going to their Sabbath", de Luis Ricardo Falero
DOMUS DESIDERIO

Minhas mãos tateiam os pulmões acesos do quarto,
em deja vu aveludado e voluptuoso.
Os sussurros alucinantes do fogo,
estão tatuados secretamente, nas paredes e no entorno.
A voz pétrea de Ariano me convida a espiar
por dentro das letras e labaredas de seu livro fabuloso.
O poema é um pequeno animal mágico,
verde viscoso, saltando das páginas.
A linguagem ilícita dos corpos, arderá por toda a noite.
Com o sexo em brasa, desenhei um meridiano obsceno neste leito.
Nua e clandestina, plantei uma tempestade em lençóis alheios.
"Full Moon", de Dorina Costras
Selene

Sou lua cheia
Dançando entre ninfas
Um grito minguante
Excitando marés

Nua e nova
Rujo ao orbe
Fênix crescente
Relampejo lírios





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Anna Apolinário (João Pessoa, 1986). Pedagoga, poeta, organizadora do Sarau Selváticas, de autoria feminina. Autora dos livros  Solfejo de Eros (CBJE, 2010), Mistrais (Edições Funesc, 2014), Zarabatana (Editora Patuá, 2016) e Magmáticas Medusas (Editora Cintra/ARC Edições, 2018).  Participou da antologia Sob a Pele da Língua: Breviário Poético Brasileiro (Editora Cintra, ARC Edições, 2019). Autora Integrante da Edição #126 da Agulha Revista de Cultura: Surrealismo e Jovens Poetas Brasileiros I, Edição Comemorativa do Centenário do Surrealismo (1919-2019). 


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