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O mesmo velho giro

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                                  Para um futuro menos pontiagudo

Meninas, eu vi. Meninos, ouvi!
Mirando nesse alvo o olho não se engana
O olho que mira talvez respire engano
Força sinistra que se esforça em fixar
O fim o negro no branco do olho fixo
Reduzindo o outro à coisa indesejável
É preto é sujo é escória é suspeito
É viscoso é pegajoso é indesejável.

Meninos, eu vi. Meninas, ouvi!
Camburão vira chão revira furacão
Gravado no olho o enxofre do outro
Sempre o mesmo filme: coisa tá preta
Negro é coisa? Negro é gente? Negro não!
Sempre o mesmo pega lá nas quebradas
Sempre a mesma piaba nas oitivas
Justificativas pra cobra de olho morto?

Meninas, eu vi. Meninos, ouvi!
Sempre a mesma resposta ali é nada
Mais nada menos que as mesmas águas
Paradas por dentro do olho e gatilho
Alça de mira, metal fosco, alienação?
Dois em cada três jovens mortos são
Negros no camburão esfolando o asfalto
Para o fastio dos homens de boa vontade.

Meninos, eu vi. Meninas, ouvi!
Tua história, minha história, ecoam estalos
Balaços de escuridão contra a tarde
Contagem progressiva, dez vinte disparos
Ainda é raso o rasgo fundo dos tecidos?
Sessenta setenta estilhaços ressoando
Nos olhos e ouvidos, destroçando o espírito
Em setenta e oito oitenta rotações.
 
                                           Marco Aqueiva, 10-22 de abril de um mesmo velho Brasil
                                               ( dia de sol negro nos olhos inimigos da luz )



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