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Matusalém, poema em prosa de Jorge Lucio de Campos

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Cercado por uma multidão de jornalistas (o evento estava sendo transmitido globalmente), o homem mais velho do mundo disse, minutos antes de morrer: "Quero dar uma declaração e deixar uma pergunta no ar". Microfones e câmeras ligados, do alto de seus 181 anos, ele disse: "Não vivi tão bem quanto gostaria, mas estou morrendo tranquilamente, sem sofrimento e em paz". Um dos repórteres, então, lembrou-lhe: "Mas, e a pergunta, senhor, qual será?". O ancião fixou seus olhos nos do repórter e perguntou: "Quem daqui será o próximo?". Logo depois, morreu nos braços dos médicos que o assistiam. Um silêncio terrível tomou conta do recinto. Todos se entreolharam. Alguns entraram em pânico. Outros sorriram sem graça e deram de ombros. As luzes foram apagadas e a multidão saiu, aos poucos, rumo à deriva do viver.



In: Desimagens (Bookess, 2018).







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Jorge Lucio de Campos é poeta, ensaísta e professor da ESDI/UERJ. Publicou os ensaios Do simbólico ao virtual (1990), A vertigem da maneira (2002), A travessia difícil (2015), Lembretes filosóficos para jovens sábios (2017), O império do escárnio (2017) e as coletâneas Arcangelo (1991), Speculum (1993), Belveder (1994), A dor da linguagem (1996), À maneira negra (1997), Prática do azul (2009), Os nomes nômades (2014), Sob a lâmpada de quartzo (2014), Paisagem bárbara (2014), Através (2017), Véspera do rosto (2017), O triunfo dos dias (2018), A grande noite perdida (2018) e Desimagens (2018).

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