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"A poesia metálica de Marília Garcia", por Samanta Esteves

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A POESIA METÁLICA DE MARÍLIA GARCIA
Por Samanta Esteves
Era a primeira vez que ouvia falar em Marília Garcia. Uma amiga comentava sobre Câmera Lenta, livro autografado que trazia em mãos. Folheei as páginas, curiosa. Quem seria a poeta brasileira finalista do importante prêmio Oceanos? Por sorte, minha colega tinha dois livros repetidos – um comprado em Paraty, outro ganhado por sorteio em ocasião do evento que contou com a presença da poeta na Faculdade de Letras da USP. Combinamos de trocar livros; em troca de Câmera Lenta, daria um de minha autoria, também de poesia. Livro em mãos, tratei logo de começar a aventura.
Depois de algumas tentativas, a sensação incômoda. Do quê fala esse livro? Qual o assunto dessa poesia? E a mensagem, será que existe alguma mensagem? Tento de novo e nada me vem. Não consigo ressignificar as palavras. Plásticas, não ressoam. Surgem como natureza morta. Uma maçã insípida e rosas sem perfume, porque de plástico. Se o poema está dizendo, o quê ele diz? Coloco o livro na estante. Passam-se dias. Antes que pudesse terminá-lo, a notícia. Marília Garcia ganha o prêmio Oceanos com o livro Câmera Lenta.
Na arte contemporânea, as fronteiras se apagaram e desde então os poetas ficaram livres para criar com ineditismo. O poema pode ser um diário, uma carta, um mapa e até uma bússola. Em certa medida, essa liberdade foi responsável por abrir caminho a poéticas absolutamente originais. O problema é que se tudo é poesia, nada é.
Ao flertar com experimentalismos que perscrutam a linguagem, a poesia de Câmera Lenta se perde em artifícios metálicos. Como engrenagem que funciona por automatismo, as hélices de Marília Garcia giram sem motivo e a obra parece coroar um movimento helicoidal desprovido de sentido e razão.
No mundo desintegrado, o anti-projeto parece ganhar terreno, desbancando a tradição literária para adular a aleatoriedade da anti-arte. Talvez, o livro de Marília Garcia fale mais pelo que não diz. Em meio a tantas hélices, afinal, pergunto-me para onde vamos se não saímos do lugar.
uma hélice serve para deslocar
e eu queria essa hélice em movimento
cruzando o céu e levando a gente
para a frente
mas nem sempre
a gente pode sair do lugar


Samanta Esteves tem 27 anos e cursa Letras na USP. Arrisca versos desde criança, tendo publicado Estilhaço, em 2017, pela editora Patuá (disponível para venda no site da editora). Tem experiência na área de Letras Modernas com ênfase em teoria e crítica literária francesa, tendo estudado a produção ensaística de Barthes e sua relação com a escritura literária de Ana Cristina César. Atualmente, aprofunda a reflexão sobre Barthes em iniciação científica contemplada pelo CNPq. Mantém a página Estilhaços, onde divulga seus trabalhos, e escreve no blog À mercê do impossível, voltado a pensar a presença de mulheres na literatura.

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