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Arte de Marcelo Monreal |
eu não quero que gostem de mim
com a suavidade dos dramas mexicanos
não quero vassalos lânguidos
de série da HBO
não me interessam omoplatas rígidas
como o mármore gasto das basílicas
nem desmaios greco-romanos
não quero devaneios bruxuleantes nem
mornidões de cinema francês
tenho pavor dos personagens cálidos
de romeus idílicos
e da beatitude xamânica
eu quero que gostem de mim com a mesma sujeira
das coisas mundanas
quero que me tomem com a sequidão dos
camelos no namíbia
com a peculiar soberba das
tia-avós semitas
e a banalidade indiferente dos
cherokees pagãos
quero que me bebam com o mesmo praguejar
dos chineses embriagados de ópio
e o mesmo sibilar das ilhas místicas
de calipso
só me interessa a carne negra e leviana
dos homens dementes
e o tambor dos tapuias de pele densa
eu quero que gostem de mim
com a mesma nevralgia
dos oxirás feiticeiros
e a mesma rispidez das lógicas cotidianas
só assim o querer me serve:
que me cobicem em salva de prata
com a certeza do quebranto
da miséria
e do desterro
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Arte de Christian Schloe |
eu com minhas unhas pintadas de azul cobalto os dedos curtos bem formados os dedinhos de pardal eu com minhas tetas obscenas amarronzadas como leguminosas a teta desobediente em que mamam os homens dementes eu toda vitalícia sendo ridícula porque o ridículo tem gosto de leite morno você leu o meu caderno preto e disse a textura é da sua boceta sorrio ávida porque lembro do teu pau áspero no meu sedoso essa fusão ontológica e acredito que este instante é a mais pura bruxaria o amor é tão mutante você planta uma linguada branda em minha pélvis e de repente meu liso no teu crespo a minha língua caminhou tantas vezes pela tua cruz dourada meu amor coisas estranhas nascem das dobras você diz enquanto me alisa o ventre y continua derramando em mim o seu espanto você é uma cornuda o anjo mau desmiolado de deus o javali degolado com estudada lentidão estou morrendo estou morrendo estou morrendo
sorrio novamente muito frouxa as palavras caindo como caem dentes apodrecidos da gengiva isso tudo é pressa pra gente se amar?
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Arte de Jean-Paul Avisse |
deus me olha com seus olhos doces e lassos a gasosa mão esquerda pousada no colo tão humano tão argênteo que minha espinha se quebra em várias sorrio débil imaginando o condenável que sabor tem o deus - penso histérica – será viscoso como o leite primeiro que brota será consistente ou encorpado como os licores amarettos será palatável caramelo frutado vazando da fonte qual gosto tem a língua onipotente é rugosa ou insossa como as eucaristias todas – eu me pergunto – qual idioma fala esse deus uma balbúrdia de sons sacrossantos ou cada consoante malditamente calculada dentro da mais rigorosa fonética é labiodental a língua do deus ou sedutoramente
- babilônica?
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Arte de Wojciech Siudmak |
vocês tinham que me ver agora
to sombria to bombástica to hermética
to totalmente desvairada sim e também mirabolante
to promíscua to ridícula to macia
to seca como o kalahari mancomunada com o maligno
o cabelo escuro os olhos doces e lassos as unhas como garras a calça de veludo sintético apertando as coxas as coxas apertando a cara eu sei eu sei preto é a cor da independência mas você tem que usar calcinha branca ralha minha mãe é preciso usar branco é mais auspicioso e eu digo sim eu sei tenho que ser docinha desejar lindezuras ao velho de saco murcho do quinto andar sim mas quero o preto porque o preto me orna melhor mamãe tome jeito menina se comporte continua tão vermelha não sossegas nunca regateira eu sei eu sei eu amo o longe e levanto a minha loucura como uma facho ardente
mas to poderosa que inferno e deleitavelmente humana
to crua to magnética to melodiosa
os anéis nos dedos de calíope
to beatífica como o esfíncter anal do mundo contraído
to tão demoníaca
que se não houvessem esses escrúpulos todos
e esses fogos e esse cintilar artificial e o rosário na mão de mamãe
convidaria vocês pra se masturbarem junto comigo
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Luana Munizé mineira-come-quieto, nascida em Belo Horizonte, em 1992. É formada em Letras pela UFMG, onde se especializou em Teoria da Literatura e Literatura comparada, bebendo na fonte pouco ortodoxa dos temas eróticos. Priápica, brejeira e mancomunada com o maligno, escreve alguma ficção e outros poemas avulsos na internet. Gosta de corromper o que ama, talvez por amor.