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Arte de José Roosevelt |
abismo e fogo
por vezes me habitam
in_constâncias aos milhares
vivo de tentação em tentação
os rios enfurecidos que de mim fluem
não me estancam a sede de estrelas
sonho constelações inteiras
com a mão em concha para bebê-las
meus olhos almejam conheceres
singularidades que me esteiem
acordo música
horizontes de sentido
lugares próximos
línguas conhecidas
barro que me molda a sina
e fogo que me purifica
ao entardecer sou outra
liquefeita
perco-me no caminho
quedo-me cometa errante
correntezas marinhas
seres abissais
incoerências absorvem-me
vulcão in_ativo
abjeta mornidão
alteridade
constelações estelares
caricata de mim mesma
desprezível
rarefeita
amor e medo de amar
eis-me
:
cisterna aberta
as palavras invadem-me
arde em mim a sina de ser Poeta.
de onde vim
as portas não se abriam
cedo
o passo corrido
empurrou-me mundo à fora
não convinha ser livre
e fui
tão livre quantos meus pés
a desandarem por entre os cafezais
meninos
ri primeiro
antes mesmo de sair o sol
bem antes de a capa de neblina
encobrir-me os caminhos
eu gargalhava choros
nem metade do que sou
seria
sem os rios a banharem-me a insônia
a inundarem-me os porões
a saciarem-me os olhos secos
rasos de peixes
quentes de pedras nuas
ausentes de correntezas
refém da fome e da sede
o amor de onde vim
nada tem de hoje
as cordas que prendiam porteiras
perfumadas de flores de laranjeira
trançadas de solidão
trouxeram-me à tona
coleciono dores
e des_ilusões de todos os tamanhos
sangro terra vermelha
distante das minhas raízes
perdi-me
não tenho mais para
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"Garden in the Valley of Clinging Vines", de James McCarthy |
verbos e joaninhas
desandei a_penar versos
de leveza quase não me sustento
a pena pesou à mão
não fosse a rudeza da vida
a me desafiar a sina
teria desistido da poesia
a crua intrepidez da desventura
a pedra bruta que clama lapidação
as letras desordenadas a quererem ser
a terra partida pela semente
que insiste voltar à luz
tudo exige pressa de encantos
amanheci cheia de dedos
o teclado em branco
esqueci caligrafia
sonho alargar estacas
entender a escolha dos versos
não há vida fora da Palavra
deito-me a espreitar olhos de mandrágoras
líquidos mansos que se derramam sobre mim
clamo por verbos e suas conjugações
as joaninhas não anseiam inspiração
chovem asas coloridas lá fora
acasalam-se em meu jardim
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cortinas
amanheci nublada
não havia previsão de chuva
o céu escuro cerrou -me o cenho
e as possibilidades
abri cortinas
ansiava que chovesse poesia
há tanto céu entre a terra e os versos
leitos de rios doidos de correntezas
anzóis que anoitecem nas margens
armadilhas em todo o caminho
e versos não caem dos ares
nem as letras se derramam no papel
aprendi plantando rosas
e tamarindos
pode ser que do suor
e das lágrimas
me escorram sentenças de vida e morte
pode ser que poeta
eu peneire o vento
ignore nuvens
e
da poeira do tempo nasça Poesia
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Ivy Menon, poeta, advogada, pós graduada em Filosofia e Teoria do Direito, Bel. em Teologia, nasceu em Cornélio Procópio, o Norte Velho do Paraná. Boia-fria até os 20 anos, Ivy, desde pequena, amava os livros e os bancos da biblioteca. Depois de sair da roça, trabalhou em O Diário do Norte do Paraná, em Maringá, onde deu início em uma carreira de jornalista autodidata. Atuou em jornal e assessorias de comunicação, tendo sido, inclusive responsável pela Seção de Impressa do Tribunal do Trabalho, em Cuiabá. Chefe do Cartório da Justiça do Trabalho, de 2010 a 2013, ano em que se aposentou. Hoje, mora numa chácara, no meio das araucárias, na zona rural de Rio Negro, região metropolitana de Curitiba. Em 4 de dezembro de 2006, venceu o I Concurso Carioca de poesia promovido pela Associação Brasileira Cultural de Apoio à Cidadania (Abraci) que contou, entre as parcerias, com a Academia Brasileira de Letras (ABL), Como prêmio, teve publicado seu primeiro – e único - livro de poesia, “Flores Amarelas”. Ocupou a Cadeira nr. 31 da Academia de Letras de Maringá. Este ano, foi uma das classificadas no Prêmio OF FLIP, na categoria Poesia.