nunca pensei assim:
é abril, e tenho cartas.
é junho, e daí?
não tenho nada.
cada mês deveria ter um segredo
ou talvez seja superfície demais.
se mês fosse um oceano
eu diria que tenho um peixe
mas o que eu faria com isso?
não há memória
quando a conversa se embola
e vira outra história.
se eu transformar
mês em mesa
posso comer o peixe?
há tanta coisa a se fazer
em uma mesa que
seis minutos valem mais que um mês.
é abril, e tenho cartas.
é junho, e daí?
não tenho nada.
cada mês deveria ter um segredo
ou talvez seja superfície demais.
se mês fosse um oceano
eu diria que tenho um peixe
mas o que eu faria com isso?
não há memória
quando a conversa se embola
e vira outra história.
se eu transformar
mês em mesa
posso comer o peixe?
há tanta coisa a se fazer
em uma mesa que
seis minutos valem mais que um mês.
não é o corpo
não é meu
corpo
útero
fígado
sangue
coração
o que tu quer
se chama pele
se inflama toque
se rasga lâmina
se lambe e sente.
não sou
eu
sou cobra viva
escama ou veneno
sexo ou alimento
vai tentar a sorte?
não é meu
corpo
útero
fígado
sangue
coração
o que tu quer
se chama pele
se inflama toque
se rasga lâmina
se lambe e sente.
não sou
eu
sou cobra viva
escama ou veneno
sexo ou alimento
vai tentar a sorte?
o amor não suporta
nada
não há
contenção para chuva
se já nos acostumamos
ao sertão.
o amor não suporta
nadar
se desmorona
não sabe construir
barco e buscar outra
morada.
não suporto
o amor
desisti de
crowdfunding
não se pode comprar
o insuportável.
nada
não há
contenção para chuva
se já nos acostumamos
ao sertão.
o amor não suporta
nadar
se desmorona
não sabe construir
barco e buscar outra
morada.
não suporto
o amor
desisti de
crowdfunding
não se pode comprar
o insuportável.
pensei em te ligar
lembrei que ninguém mais disca
nem discos escutamos mais
que pena
tanta música marcada
tanto encontro retocado
será que compro uma vitrola?
ainda estou pensando em te ligar
não tem tomada aqui em casa
e sei bem que você não é abajur
que pena, comprei uma linda
palavra criei com ela
não é pra isso que serve a saudade?
lembrei que ninguém mais disca
nem discos escutamos mais
que pena
tanta música marcada
tanto encontro retocado
será que compro uma vitrola?
ainda estou pensando em te ligar
não tem tomada aqui em casa
e sei bem que você não é abajur
que pena, comprei uma linda
palavra criei com ela
não é pra isso que serve a saudade?
tenho esquecido
nomes
lugares
acontecimentos
aquele olhar que
tenho esquecido
no peito.
esqueço uma
síla
baíamos descobrir
o mundo.
tristeza te faz viver pela metade.
nomes
lugares
acontecimentos
aquele olhar que
tenho esquecido
no peito.
esqueço uma
síla
baíamos descobrir
o mundo.
tristeza te faz viver pela metade.
fazia dias que não chorava.
incrível que pareça
não aguento mais escrever sobre dor.
virginia estava certa?
o peso
do feminino,
do choro,
a alteridade duvidosa
(uma vez que amor só pode ser outra coisa)
aliás,
saindo do parênteses
pode ser outra coisa?
o quê?
chamar de pássaro
e deixá-lo voar
chamar de pássaro
e matá-lo com a espingarda
sou mulher
mas sou armada
como uma aranha na quina do box.
será que estou atrapalhada?
será que essa dor é um saco de mercado
usado pra me oprimir
e me sufocar?
estou suicidando minha linguagem
preciso escrever sobre a guerra,
sobre o universo
panfletar as palavras?
não confio em semideuses.
não confio em poemas de amor.
incrível que pareça
não aguento mais escrever sobre dor.
virginia estava certa?
o peso
do feminino,
do choro,
a alteridade duvidosa
(uma vez que amor só pode ser outra coisa)
aliás,
saindo do parênteses
pode ser outra coisa?
o quê?
chamar de pássaro
e deixá-lo voar
chamar de pássaro
e matá-lo com a espingarda
sou mulher
mas sou armada
como uma aranha na quina do box.
será que estou atrapalhada?
será que essa dor é um saco de mercado
usado pra me oprimir
e me sufocar?
estou suicidando minha linguagem
preciso escrever sobre a guerra,
sobre o universo
panfletar as palavras?
não confio em semideuses.
não confio em poemas de amor.
por que não
deitar em roupas amarrotadas
à espera uma vez na corda
depois na cadeira da sala
e agora na cama
mais de um mês abandonadas
me viram chorar no limite
da casa que também
chora
lá fora
o dia está feliz por que
não fazer poesia sobre o céu
sobre a praia e o vento
é preciso um niilismo profundo
para falar de roupas amarrotadas
e mais ainda deitar-se nelas.
deitar em roupas amarrotadas
à espera uma vez na corda
depois na cadeira da sala
e agora na cama
mais de um mês abandonadas
me viram chorar no limite
da casa que também
chora
lá fora
o dia está feliz por que
não fazer poesia sobre o céu
sobre a praia e o vento
é preciso um niilismo profundo
para falar de roupas amarrotadas
e mais ainda deitar-se nelas.
gosto de ler poemas como
quem lambe ferida
encostar a língua
na dor do outro
o gosto acre
doce só no final
o último verso é
sempre de açúcar.
quem lambe ferida
encostar a língua
na dor do outro
o gosto acre
doce só no final
o último verso é
sempre de açúcar.
nunca gostei
dessa coisa chamada escrita
de mulher
nunca gozei
(porém)
com um poema
de macho.
dessa coisa chamada escrita
de mulher
nunca gozei
(porém)
com um poema
de macho.
olá, meu amor, bom dia, sei que tem pensado muito sobre aquela casa na praia que há anos pensamos em comprar, pensamos, pensamos muito, sei tão bem quanto você o quanto pensamos na areia, nas ondas e até nos tatuís que hoje em dia já nem mais existem de tanta poluição, você sabia disso? não há mais tatuís por aí rodeando nossos pés e beliscando a ponta de nossos dedos. mas não foi culpa sua, eu sei que você esqueceu aquela guimba de cigarro e nunca faria isso de propósito, não quero que se sinta mal pela morte dos tatuís, mas você sabe, você deve lembrar, que quando falávamos da casa da praia, falávamos muito dos tatuís, e você até me disse que levaria seu papel e a aquarela para desenhar esses animais magníficos que ficam reaparecendo na minha cabeça, mas a verdade, a verdade mesmo, por favor não espalhe por aí depois de nossa conversa, é que nunca vi um tatuí, mas apesar disso sei muito bem como eles são e o quão importantes serão quando estivermos num asilo já com a memória em frangalhos, tenho certeza que lembrarei deles e ficarei triste pelas gerações futuras que não terão a oportunidade de vê-los como agora os vejo, que sorte tenho, por outro lado, de nunca tê-los visto, não sei o que seria de mim se tivesse visualizado, mesmo que por um segundo, esse pequenino animal que tantas vezes percorreu meu corpo sem nem saber meu nome, sem saber das noites em claro, dos cortes de cabelo e da vida que gostaria de ter deixado para trás. meu amor, me desculpe, eu te acordei?
Priscila Branco é escritora de guardanapos. ainda não descobriu o que é poesia e se encaminha pelas tentativas e erros. escreve desde que achou um lápis e um papel caídos no chão, lá naquele tempo que chamamos infância. antes de tudo, porém, é leitora devoradora e estuda literatura brasileira no mestrado da UFRJ.