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a vida e suas estruturas fluidas - 5 poemas de Emerson Sarmento

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"Time", de Gediminas Pranckevicius

A Cidade Isopor e o realismo do asfalto pedem mais abraços, pois...

As dores dessa cidade são apocalipses nucleares. O romantismo dessa cidade floresce no abstrato cinza das máquinas que movem nosso destino sem nenhuma culpa. Casais apaixonados escrevem seus nomes nos troncos de cimento rígido e com uma pincelada de tinta fresca nada mais existe, além de um vestígio de céu. Ainda há outros concretos para uma nova história efêmera na selva dos contemporâneos com a validade já vencida. Afirma, sem pestanejar, o Inmetro.
Os filhos abraçam os pais por meio de um smartphone de última geração. Os bêbados gritam pela cidade a procura de um Messias. Os peixes à pilha são imunes à poluição e nossos pulmões respiram o placebo do amor nas cápsulas diárias de carbono.
Dentro de uma manhã obtusa tão quotidiana como o leite no café-da-manhã, eis que surge uma violeta adormecida de mulher, transfigura-se e, serena, anuncia a chegada do carnaval. Nasce novamente no mundo da relatividade trazendo tempestades de orvalho e deixa cair o bálsamo nas criaturas frenéticas que são tão felizes em si mesmas. Avistei-a em uma janela arrancado versos de um poeta. Ela abraça com os braços, sente cheiro de fragrâncias reais e indestrutíveis, ela dança valsa e sente, na pausa da canção, os rebentos dos sentimentos que sobrevivem independente de tintas e são verdadeiros prismas em qualquer horizonte.  Está mulher segura os agouros do mundo enquanto beija mãos que se agridem na escuridão. Veste com lã os pés que dão passos sem passados para que encontrem ínfimas lembranças no abismo mais próximo. Ela é o presságio da cura.  É a mulher que deu luz a uma cidade sintética.


Arte de Cyril Rolando

Sonnet in the light of Oxford

Olhai as luzes da desconhecida cidade
a monarquia que alarde na civilização
sombras imperiais resistem a iniqüidade
E o orvalho do lírio é o bálsamo da redenção.

Olhai, moça, a primavera dos olhos que cantam
tão longe dos teus, tão enfermos nessa ausência
ardendo em sal nos oceanos da face - dançam
nos caminhos dessa saudade como penitência.

Na paisagem de Oxford, Scruton reluz
sabedoria galante de não relativizar 
a verdade entre teus olhos e essa luz

Que explodiu as vísceras do céu anil
numa longínqua ternura desse cantar
pousando tua ardentia no meu peito vazio.

Arte de Igor Morski
Soneto aos teus setenta anos

Recordo da lembrança sombria
da noite tormentosa, vil, cerrada
onde os agouros d’minha alma fria
sucumbia no naufrágio da fragata.

Passado flébil murmurando prantos
rasgando sudários, louco, sem acuidade
sonolento, absorto silencia os cantos
aos tantos, tonto, jamais será saudade.

Ei-lo filósofo, curador das almas doentes
mestre dos perdidos dum ontem imundo
és a luz desta nação e dos coros clementes

que bradam “evoé” aos sóis da alvorada
arfando tua filosofia no cais fecundo
fazendo do teu escudo a eterna morada.

"Female Nude", série de Egon Schiele
Vida após...

As coxas entreabertas
separam-se, vagarosamente,
como montanhas mecânicas
que dão licença à nascente do rio.
Águas turvas na permissiva botânica
cristalizando rostos, línguas e gritos.
Bebe-se dessa água
para anunciar a morte
pois no luto do gozo
ressurge uma nova vida.

Arte de Mariola Bogacki
Ausência, Rum & pedras de saudade

Tua ausência é a turva dor
desses dias sóbrios na vil bonança. 
Saudade é não poder abraçar a lembrança
E te ver partir sereno pelo retrovisor.

A saudade derrete numa dose de Rum
e a vida esvai-se no primeiro gole aguado
como quem abraça o mar desvairado 
e sente no vazio do abraço a solidão incomum.

O teu longínquo reflexo é o livre adeus
da tua clássica acidez incompreendida
pelas vãs mentes astutas de glória ressentida
infaustas serão na cegueira dos olhos seus.

As areias cobriram teu semblante
o tempo acabou, esgotou a ampulheta
que um dia irá desvirar-se numa silhueta
e te encontrarei no mesmo bar, meu Comandante!


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Natural de Recife, o poeta e cantautor Emerson Sarmento ganhou em 2011 o Festival de Música Carnavalesca do Recife, época em que marcou presença no FIG e outros festivais locais. Com a poesia, concorreu ao Prêmio SESC de literatura, Recitata e, também, participou da edição Pasárgada doc.2017. Na  Era do Orkut ganhou quatro concursos nacionais promovidos pelas comunidades literárias. Já foi homenageado num sarau em Natal durante o qual seus poemas foram lidos por poetas locais. Em 2012, lançou seu primeiro livro Perfume do Sangue pela editora Moinhos de Vento e em 2016 publicou pela Editora Penalux sua segundo obra Cromossonhos.

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