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Arte de Jerry Pinkney |
eros negro & ancestral
estava a mulher vendo o homem fiar
passando a boca molhada na ponta da linha
enfiando a linha no buraco da agulha
enfiando a linha no buraco da linha
[para dar nó à linha
atravessando com agulha e linha os tecidos
[preto e vermelho, como sangue na pele
moldando uma bandeira anarquista
adentrando o meio das pernas dela apenas pelo visual
aguando o sexo dela mornamente
sem pedir licença, sem respeitar regras, nem nada
apenas sendo aquele homem de dedos grossos e delicados
não era somente tecido se emaranhando
era, também, a evidência do amor
tão lindo o homem, tão lindo o sentir
ali, na cara dela, estupidificado
passando a boca molhada na ponta da linha
enfiando a linha no buraco da agulha
enfiando a linha no buraco da linha
[para dar nó à linha
atravessando com agulha e linha os tecidos
[preto e vermelho, como sangue na pele
moldando uma bandeira anarquista
adentrando o meio das pernas dela apenas pelo visual
aguando o sexo dela mornamente
sem pedir licença, sem respeitar regras, nem nada
apenas sendo aquele homem de dedos grossos e delicados
não era somente tecido se emaranhando
era, também, a evidência do amor
tão lindo o homem, tão lindo o sentir
ali, na cara dela, estupidificado
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"I'll Kiss Every Part of You", de Richard Young |
precipitação
tua imagem me deixou de perna bamba
-avoa minha alma entorpecida-
gozei vulcânica procurando teu
cheiro de homem em meu pescoço
tua viragem me deixou completamente
viajada. eu fumava um e plantava mil
só pensando em quanto quero que
tu pergunte novamente o que chamo
pecado
tua miragem me deixou intrigada
-pousa na ideia o peso do amor-
até estrela se alumia se eu penso
no vivo-aceso de teus olhos
tua mensagem me deixou completamente
sem palavras. eu dizia uma e escrevia mil
só pensando em quanto quero que
tu queira novamente o que chamo
pecado.
-avoa minha alma entorpecida-
gozei vulcânica procurando teu
cheiro de homem em meu pescoço
tua viragem me deixou completamente
viajada. eu fumava um e plantava mil
só pensando em quanto quero que
tu pergunte novamente o que chamo
pecado
tua miragem me deixou intrigada
-pousa na ideia o peso do amor-
até estrela se alumia se eu penso
no vivo-aceso de teus olhos
tua mensagem me deixou completamente
sem palavras. eu dizia uma e escrevia mil
só pensando em quanto quero que
tu queira novamente o que chamo
pecado.
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Arte de Karol Bak |
desmaio de cor
(para Mia Couto e Rosangela Sarteschi)
tenho uma par de homens
que se propõem a deitar comigo
(se não se propõem, os seduzo)
e que depois fogem de meu perigo
de exaustos ou de assustados.
os escolho pela cor do corpo
por vezes, pela textura do cabelo
para conformar este curso, que é recôncavo:
inclinam-se em negras cores
em cima, atrás, embaixo de meu sexo
gritam e gemem como fêmeas
em redes de pesca, queimando nas areias
enfim, se desfazem no oposto -
num ápice, como leite derramado
profundo e caudaloso lago
(ou, quem sabe, alegre banho de chuva)
margeando o mais próprio e mágico em mim:
o sussurro do atrito em meu lado de dentro.
que se propõem a deitar comigo
(se não se propõem, os seduzo)
e que depois fogem de meu perigo
de exaustos ou de assustados.
os escolho pela cor do corpo
por vezes, pela textura do cabelo
para conformar este curso, que é recôncavo:
inclinam-se em negras cores
em cima, atrás, embaixo de meu sexo
gritam e gemem como fêmeas
em redes de pesca, queimando nas areias
enfim, se desfazem no oposto -
num ápice, como leite derramado
profundo e caudaloso lago
(ou, quem sabe, alegre banho de chuva)
margeando o mais próprio e mágico em mim:
o sussurro do atrito em meu lado de dentro.
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"Lying Down Textiles", de Grace Ndiritu |
besouro beijador
o capoeira me jogou mandinga
flecha única de um arco só
o feitiço preso nos fios
do cabelo endredado
o capoeira me jogou mandinga
besouro beijador
a pele escura, a lua cheia
eu beijo e sinto o amor
eu beijo e sinto
o capoeira me jogou mandinga
flecha única de um arco só
o feitiço preso nos fios
do cabelo endredado
o capoeira me jogou mandinga
besouro beijador
a pele escura, a lua cheia
eu beijo e sinto o amor
eu beijo e sinto
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"Grandma's Hands", de Keith Mallett |
a Ewá de minha avó
abençoados foram vossos olhos
que tudo viam a todo momento, que
acarinhavam minhas lágrimas
para as botarem a dormir.
punhamos as roupas nos varais,
lá ao pé de teus rios da Bahia, onde
aguavam docemente tuas cores
para realce de amarelo, rosa e coral.
limpastes o veneno despejado,
untando com farinha e água, enfim
reunião de todo o teu amor
para curar as dores do mundo.
obrigada, vó, pela reza.
a tua santa crença queima em vela acesa.
o verde da água pingada das plantas de luzia é nossa força de mulher.
teu caminho me ilumina.
axé.
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Zain Ne (Zainne Lima da Silva) é de Taboão da Serra (SP), graduanda em Letras na FFLCH-USP. Escreve para a Coletiva Entre Irmãs de mulheres negras. Foi alfabetizada em casa aos cinco anos; desde então, nunca parou de escrever. Milita pelos movimentos sociais e pretende seguir carreira acadêmica estudando a literatura negra e periférica de seu povo. É autora do livro “Pequenas ficções de memória”, da Editora Patuá.