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Fotografia de Miroslav Mirkov |
cavamos um túnel a partir da casa das carnes no outro lado da rua no
dia 16 de maio la plaza de mayo em
tardes como esta é uma descoberta e tanto
suas árvores com copas em flor seus cães de dentes podres que caem seu mormaço nuvens cinzentas que
abafam o sol quente transformam buenosayres num inferno
suas adolescentes fedendo a hormônio bico de peito duro skatistas e vendedores de pão de mel com as mãos queimadas
se eu morasse lá karen estaria a uma balsa de distância
eu faria a travessia do rio da prata e caminharia louco pelas ruas de montevideo compraria margaridas na rambla um vaso de cerâmica de quinta categoria junto de um casaco de pele num brechó no bairro dos negros o céu cinza se abriria cor de rosa um raio supersônico destruiria todos os carros e eu correria por entre seus esqueletos metálicos com os braços abertos balançando compraria um baseado na farmácia beberia cerveja quente me atiraria entre os gatos da rua dançaria solto de mãos dadas com as acácias do parque compraria chocolates com licor num mercadinho e bateria em seu apartamento e quando ela surgisse à porta eu choraria e lhe daria os chocolates e tentaria lhe explicar os tufos de grama e terra no meu blusão e minha embriaguez que não combina com aquela hora do dia e nos abraçaríamos e sentaríamos no sofá assistiríamos um filme de wesanderson leríamos poemas supercomunistas ficaríamos bêbados e loucos ouviríamos canções madebydominguinhosandanastácia e depois dormiríamos o sono dos justos agora unidos na amizade infinita que nos uniria a todos em montevideo
manual prático atualizado do guerrilheiro urbano
eu e igor planejávamos grandes atentados à humanidade
pixar viva a bakunin na vidraça do banco do brasil
transformar o colégio num campo de batalha ideológico
acreditávamos no potencial de terror da poesia
bolávamos ações diretas de intervenção
manhãs e noites pensando em como
incendiar pneus no meio da tarde
destruir o capital ao fazer alarde
imaginando como
perderíamos a virgindade
a fratura exposta do capitalismo
a solidão louca dos cinzeiros
me atinge nesta madrugada
o terrorismo
é uma chaga que virou
úlcera
o planeta nunca soube lidar com os extremos
nosso eterno flerte
com o fascismo
sempre é mais vivo nestas madrugadas
a humanidade é uma doença
e isto é um grito
quando Kadji fez 34 anos
compreendeu a tristeza dos homens loucos
caminhou absorto pelas ruas de Paris à noite
observou pombos acasalarem
sentiu fome e sede no Ramadã
assistiu na tevê a um jogo do Barcelona
largou seu emprego de farmacêutico
sonhou com sua mãe morta
acordou nervoso numa manhã de terça-feira
deslocou-se à estação de metrô mais próxima
& explodiu-se
poema celeste
(para Tanit)
Deus observa
cada olho humano
cada partícula
de madeira
em cada farpa
de cada
estantezinha
cada anjo querubim cada dândi perdido na noite
cada cigarro contrabandeado cada
ave de rapina humana
cada poema de Lawrence Ferlinghetti cada música
que se encontra no aço cada
pergaminho perdido na biblioteca subterrânea da
Pirâmide cada plano espiritual cada
sexting telepático toda a sinergia das fogueiras ciganas
cada fim de tarde tomando chá com Ogum
& Oxóssi na varanda de casa
cada LSD na boca de cada poeta de cada cidade de cada
país até os da Quarta Dimensão
cada selo de carta cada anexo de e-mail cada umbigo
rasgado cada hippie de boutique cada conspiração
cada
CORAÇÃO FUDIDO
Deus observa & está
em cada andrógino que resiste em casa
em cada senhora com câncer
em cada
POETA QUE NÃO DESISTE
Mateus Magalhães nasceu em julho de 1997, na cidade de Maceió, capital de Alagoas. Apesar da pouca idade, é autor dos livros Quem tabelar com Toni ganha um Fusca, de crônicas, e Malu e a bagaceira, de poesia, ambos selecionados no Programa de Incentivo à Cultura Literária da Imprensa Oficial Graciliano Ramos e lançados em 2015 e 2016, respectivamente. Estes cinco poemas compõem um projeto ainda inédito, chamado Antes da chuva carnívora. O autor, alimentado pelo surrealismo e pelos teóricos marxistas, escreve sobre violência, terrorismo e estranhas experiências na página Na banheira com Rimbaud, no Facebook, e no fanzine POPULACHO, que constrói trimestralmente.